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Dia: 26 de setembro de 2019

Comissão para o Enfrentamento ao Tráfico Humano aposta em articulação regional

Foto: CNBB/Luiz Lopes Jr Articulação é a palavra forte no planejamento da Comissão Especial Pastoral para o Enfrentamento ao Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Reunidos na Casa de Retiros Assunção, em Brasília (DF), nestes dias 24 e 25 de setembro, os membros partilharam sobre o trabalho desenvolvido pelos grupos representados, pensaram em sugestões para levar ao Sínodo para a Amazônia, elaboraram contribuições para a continuidade do trabalho e indicaram pistas para fortalecer a relação com redes que atuam na realidade do tráfico de pessoas e da migração. “A comissão agora está em processo de rearticulação para ter uma incidência maior em nível nacional e também nos regionais da CNBB, nas Pastorais Sociais, nas fronteiras, com alguns enfoques específicos, como as crianças, adolescentes, jovens, as mulheres”, resumiu o bispo da prelazia de Marajó (PA), dom Evaristo Spengler, que a partir de novembro assumirá a presidência da Comissão. A busca de maior incidência está no horizonte de atuação do grupo que atua na prevenção ao tráfico humano, na incidência política e na denúncia e responsabilização dos culpados. De acordo com a irmã Eurides Alves de Oliveira, representante da Rede Um Grito Pela Vida, o contexto atual apresenta aumento na mobilidade humana com fluxos intensos, “a miséria bate à porta com muita força” e as crianças são as maiores vítimas. Irmã Eurides | Foto: CNBB/Luiz Lopes Jr Neste “cenário desolador”, o papel da Comissão é dar visibilidade às realidades, sobretudo nos processos de evangelização da Igreja, “que muitas vezes são doutrinários, catequéticos, mas não abordam essas questões”, aponta a religiosa. A ideia é fazer uma sensibilização eclesial para os diversos organismos e pastorais pautarem essas problemáticas, para que alertem a sociedade e deem visibilidade. O grupo deve se empenhar para descobrir iniciativas que existem nos regionais e tentar agregar força para uma atuação mais efetiva em rede, além de buscar ter uma palavra profética diante dos desmontes das políticas públicas e também incentivando as denúncias. Na dinâmica da “chuva de ideias”, facilitada pela consultora Rogenir Costa, os membros da Comissão indicaram as realidades que devem ser tocadas pelas ações do grupo (veja abaixo), com reforço à questão da articulação e fortalecimento de iniciativas. Irmã Marie Henriqueta | Foto: CNBB/Luiz Lopes Jr Para irmã Marie Henriqueta Cavalcante, da Comissão Justiça e Paz do Regional Norte 2 da CNBB, estas proposições consideram que o tráfico de pessoas “é um crime extremamente organizado, silencioso, invisível”. “Então nós pensamos que nos regionais a gente ainda precisa falar muito mais desse tema em outros espaços e articular e fortalecer a Comissão nos outros regionais”. Irmã Marie também pontua para a necessidade de incidir politicamente e integrar os trabalhos que já existem nas áreas de fronteira. Sínodo para a Amazônia A Comissão para o Enfrentamento ao Tráfico Humano da CNBB tem entre seus membros três participantes do Sínodo para a Amazônia convocados pelo Papa Francisco. Eles terão a oportunidade de reforçar a importância da temática na assembleia sinodal. Dom Evaristo | Foto: CNBB/Luiz Lopes Jr Dom Evaristo reforça que o tema já está posto para o debate, uma vez que já está presente no documento de trabalho. “Nós queremos agora que haja algum compromisso formal no documento sinodal em relação a esta chaga humana que tem sido denunciada em todo o mundo”, afirma o bispo. Para o prelado, é importante dar relevo à questão do tráfico humano, da exploração sexual, do abuso sexual, “que é uma prática encontrada no Brasil inteiro, mas de modo especial a Amazônia sofre muito com isso”. “São corpos de crianças, adolescentes, meninas e meninos que são degradados, não são vistos como um ser humano, mas como um objeto de lucro, como objeto de prazer. E a pessoa humana tem que ser valorizada. E o sínodo vai dar uma palavra importante na defesa das crianças, adolescentes, na defesa da vida dos mais fragilizados”. Articulação com redes Para ao planejamento de 2020, a Comissão deverá aprimorar a relação com redes que já atuam no enfrentamento ao tráfico. “O grande desafio é esta articulação da Comissão com essas outras redes que já tem um trabalho de enfrentamento ao tráfico de pessoas em nível de Brasil. A gente tem fortalecido essas articulações com as redes que tem nas regiões de fronteira que já fazem um trabalho tanto de prevenção, de incidência política e relação com as redes que trabalham com os migrantes”, conta a irmã Rose Bertoldo, que atua na Rede Um Grito pela Vida e no Eixo de Fronteiras da REPAM. Entre as ações na parceria com as redes o grupo colabora na formulação de políticas públicas voltadas para a realidade da migração e do tráfico de pessoas, na formação de lideranças nos regionais e na articulação destes regionais com as redes locais que existem. Tudo isso tem sido promovido até o momento por meio de Seminário de formação e capacitação de lideranças. São algumas das redes que já atuam neste campo: Rede Clamor, do Conselho Episcopal Latino Americano; a REDEMIR, articulada pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos para a realidade de Migrantes e Refugiados, o Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados, a rede da Tríplice Fronteira (Brasil, Peru e Colômbia), a rede internacional Thalita Kum, articulada pelas Superioras Gerais de congregações religiosas, além da REPAM entre outras. As prioridades da Comissão para os próximos anos: Incidência nos Regionais e nas pastorais sociais para uma agenda comum para enfrentamento ao tráfico de pessoas Inclusão da temática nas prioridades das Pastorais Sociais no plano 2019-2023 Articulação com as organizações que estão atuando com educação para sensibilização e prevenção Fortalecimento do papel de articulação da Comissão em todo o país Incidência política e profética na temática do enfrentamento ao tráfico de pessoas Aproximação das iniciativas nas fronteiras Dar ênfase ao tema do enfrentamento ao tráfico de pessoas na Semana Social Brasileira Ampliação da articulação entre organizações nacionais que atuam nos temas afetos à comissão em plano nacional e internacional Aproveitar o ambiente do Sínodo para incidência da temática Ampliação do olhar e do…
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“O Sínodo pode ajudar na passagem de uma sociedade colonialista para uma sociedade plural, que respeita a todos”.

Entrevista com Felício Pontes, Procurador Regional da República Por Pe. Luis Modino O Papa Francisco, em Laudato Si, diz que tudo está interligado, uma afirmação que se constata nas palavras de Felício Pontes, Procurador Regional da República. Nascido numa família de origem ribeirinha na Amazônia, ele é um dos grandes defensores dos povos da região, combatendo o modelo predatório que destrói o bioma amazônico e a vida de seus povos. Em virtude disso, ele foi convocado pelo Papa Francisco para fazer parte da assembleia do Sínodo para a Amazônia, que vai acontecer de 6 a 27 de outubro, no Vaticano. Para estranheza de alguns, “Nós estamos num caminho dentro da Igreja que coincide muito com caminho que a área jurídica está trilhando na Pan-Amazônia.”, afirma o procurador, numa tentativa de reconhecer a importância dos aportes das populações locais, depois de 500 anos de um modelo europeu. “A Igreja agora se deu conta de que não há como buscar um rosto amazônico sem levar em consideração aqueles pensamentos, tradições, a cultura, das sociedades que vivem na Amazônia”, algo que teve um impulso significativo com o Sínodo para a Amazônia. Na opinião de Felício Pontes, “se o Sínodo conseguir dar esse passo, de fazer com que as propostas que vieram da base sejam incorporadas pela Igreja Católica, o processo de transição de uma sociedade hegemônica e colonialista para uma sociedade plural, que respeita a todos, será mais célere”. Dentro do processo sinodal, o Procurador Regional da República destaca o processo de escuta, “que foi uma das coisas mais extraordinárias que se passou na Igreja nos últimos anos”, até o ponto de afirmar, “que desde o Concílio Vaticano II não se tem algo tão participativo dentro da Igreja”. O senhor sempre trabalhou na defesa dos povos da Amazônia desde seu trabalho como Procurador da República. O que significa para alguém que sempre trabalhou nisso e que além disso é cristão, católico, que agora a Igreja convoque um Sínodo para ter como foco principal a defesa da Amazônia e de seus povos?  Nós estamos num caminho dentro da Igreja que coincide muito com o caminho que a área jurídica está trilhando na Pan-Amazônia. Nós também recebemos o Direito europeu para ser implantado as Américas. Esse Direito não levou em consideração os povos originários. Ao contrário, era um Direito que no primeiro momento escravizou esses povos e promoveu o genocídio. Num segundo momento, esses povos foram tutelados, considerando que não tinham desenvolvimento mental suficiente para serem sujeitos de direito. Somente no fim do Século passado, é que a legislação, por luta dos povos da floresta, se deu conta de que todas essas pessoas são sujeitos de direitos, e possuem o direito à autodeterminação. Eles têm o direito de traçar os seus próprios destinos e não seus destinos serem traçados por outras pessoas. O Sínodo da Amazônia propõe uma nova relação da Igreja Católica para com os povos originários, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais que habitam a região. Esses novos ventos amazônicos encontram eco não apenas na Igreja Católica, como também nas instituições jurídicas, onde esse processo é chamado de interculturalidade. Em resumo, não se pode mais impor nossa cultura quando se está diante de uma cultura diferente. É necessário reconhecer a importância desses grupos minoritários para as decisões estatais. É necessário internalizar as diversas cosmovisões nas estruturas institucionais do Estado. É necessário valorizar o conhecimento desses grupos como dádiva à humanidade. Em verdade, trata-se da consagração do pluralismo político, que é a tal ponto importante no sistema jurídico brasileiro que a Constituição o elencou em seu artigo 1º como um dos fundamentos da República, ao lado da dignidade da pessoa humana. Nós estamos num caminho dentro da Igreja que coincide muito com caminho que a área jurídica está trilhando. Ela está pela primeira vez levando em consideração as opiniões, crenças, tradições e espiritualidade dos povos originários, dos povos e comunidades tradicionais. O Direito já deu passos à frente. Temos decisões judiciais hoje, tanto nos tribunais do Brasil, da Colômbia, do Peru, da Bolívia, como da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a Pan-Amazônia que estabelecem que deve ser, antes de tudo, levado em consideração a opinião e os modos de vida dessas comunidades. Isso já é jurisprudência, não é só lei. Então, o que nós vivemos é um processo de transição. Foram quase 500 anos sobre uma mesma doutrina, que não levava em conta o direito e a opinião das comunidades que vivem na Amazônia, com maneiras muito peculiares de viver. A partir de agora se inicia um novo processo. Os povos da floresta têm direitos. E não se pode impor nada sem levar em consideração opiniões, crenças, tradições dessas comunidades que aqui moram. Mas de fato, a gente vê que desde muitos governos, essa política é considerada como um empecilho. O caso mais recente foi o que aconteceu no Equador com as petroleiras, que a justiça deu a razão aos povos indígenas contra o governo, e o governo prometeu rever essa decisão. Por que entre os governos da Pan-Amazônia, em geral, existe essa tentativa de tirar dos povos indígenas os direitos conquistados?  Estamos num tempo de transição. Nós ainda não consolidamos a nova doutrina, que eu chamo de doutrina pluralista, ou doutrina da autodeterminação dos povos. Há muitas pessoas ainda que consideram que os planos de desenvolvimento deveriam ser feitos apenas pelas pessoas que estão na cidade, ou que tiveram alguma educação formal dentro da universidade. Essas seriam as pessoas indicadas para isso, e as outras pessoas, outros saberes, não seriam levados em consideração. Trata-se de “colonialidade”. Os conquistadores europeus fizeram isso com os ameríndios. E, hoje, os neoconquistadores, pessoas do próprio país mesmo, fazem isso com a população amazônida. São, normalmente, oriundos de outras regiões desses países, que se sentem como únicos conhecedores dos processos de desenvolvimento. É um grave erro. Sei que não é fácil para aquelas pessoas que estudaram a vida toda no sentido de que é a sociedade hegemônica que deve estabelecer os projetos de desenvolvimento.…
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