O dia 12 de Fevereiro marca um ano desde a apresentação da Querida Amazónia, a exortação pós-sinodal do Sínodo para a Amazónia. Nesta ocasião, o Padre Adelson Araujo dos Santos, S.J., participante na assembleia sinodal como perito e um dos que apresentaram a Querida Amazónia na Sala Stampa do Vaticano a 12 de Fevereiro de 2020, oferece-nos uma reflexão sobre a actualidade dos sonhos do Papa Francisco. Padre Adelson nasceu em Manaus e é actualmente professor de Teologia Espiritual na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma. Eis o texto: Na comemoração do 1º ano de aniversário de lançamento da exortação apostólica pós-sinodal “Querida Amazônia”, escrita pelo Papa Francisco e apresentada oficialmente ao público no dia 12 de fevereiro de 2020, podemos nos perguntar de que modo é possível avaliar o impacto deste documento no interior da Igreja Católica e fora dela, na sociedade em geral. Para responder a esta pergunta, temos que recordar brevemente do que tratou o Santo Padre em sua exortação, na qual estão presentes as suas conclusões pessoais de tudo o que foi discutido e proposto no sínodo especial sobre a Amazônia, por ele mesmo convocado no dia 15 de outubro de 2017 e realizado em Roma de 06 e a 27 de outubro de 2019, sob o título: “Amazônia: Novos Caminhos para a Igreja e para uma Ecologia Integral”. Basicamente, o texto de “Querida Amazônia” nos revela quatro grandes sonhos do Papa em relação àquela vasta região e em relação à Igreja, chamada a ser presença evangelizadora entre os povos amazônicos. Cabe-nos perguntar, portanto, se um ano depois de revelados, estes sonhos se mostram verdadeiramente inspiradores para que possamos ver, julgar e agir corretamente em relação à Amazônia, apontando para o que se precisa mudar e, ao mesmo tempo, confirmando as novas iniciativas e práticas geradas a partir do sínodo. Em resumo, após um ano da sua publicação podemos nos perguntar o que faz desta exortação um indispensável ponto de referência para a construção de um planeta viável e de uma Igreja verdadeiramente evangélica, a partir da Amazônia. Ora, do ponto de vista teológico e espiritual, cremos que se examinarmos cada um dos sonhos compartilhados por Francisco em “Querida Amazônia”, iremos facilmente constatar o caráter profético dos mesmos, bem como o quanto foram eles teologicamente inspirados e bem fundamentados, não obstante alguns insistam em negar isso. De fato, por desinformação ou explícita intenção de atacar o Papa por meio da difusão de notícias falsas – fake news –, tem se usado as redes sociais para propagar que Francisco se preocupa mais com árvores que com vidas humanas, que seu discurso é vazio de Deus e de espiritualidade, pois se concentra só no ecológico, que esquece outras agressões à vida como a do aborto e só recorda a agressão à Amazônia, etc. Ora, antes de mais nada, está claro que tais acusações carecem de qualquer fundamentação teológica e histórica, porquanto está mais do que comprovado que o Papa atual não é o primeiro a se manifestar contra as agressões cometidas, seja ao meio ambiente em geral, seja em relação aos povos e florestas amazônicos. Basta lembrar que já São João Paulo II, quando papa, em visita ao Brasil, declarava com palavras contundentes o compromisso da Igreja para com a luta desses povos e denunciava a violência sofrida pelas populações indígenas: “A história de vossos povos conheceu, e conhece ainda, sombras dolorosas, sinais de morte, muitos sofrimentos e conflitos marcados pelo mal […] A Igreja, queridos irmãos índios, tem estado e continuará a estar sempre a seu lado, para defender a dignidade de seres humanos, para defender o direito a ter uma vida própria e tranquila, no respeito aos valores positivos das suas tradições, costumes e culturas […] Tenho recebido, com grande dor, as notícias que me chegam sobre violações desses direitos, motivadas pela ganância e por interesses escusos, com graves repercussões sobre a vida, a saúde e a sobrevivência de alguns grupos indígenas”[1]. Por outro lado, o papa Bento XVI, ao visitar o Brasil em 2007, citando o hino nacional brasileiro, conclamava: “’Nossos bosques têm mais vida’: não deixeis que se apague esta chama de esperança que o vosso Hino Nacional põe em vossos lábios. A devastação ambiental da Amazônia e as ameaças à dignidade humana de suas populações requerem um maior compromisso nos mais diversos espaços de ação que a sociedade vem solicitando”[2]. Portanto, é claríssima a falta de fundamentação das críticas que se fazem às palavras do Papa Francisco em sua exortação “Querida Amazônia”, porquanto as mesmas seguem a mesma linha já assumida antes pelos seus antecessores. Além disso, do ponto de vista teológico, somente a ignorância ou má fé intelectual pode fazer com que alguém não encontre na exortação de Francisco a sua preocupação em falar a partir da Palavra de Deus, deixando claro que a mensagem de “Querida Amazônia” não parte de um puro ecologismo, mas se pauta na pessoa de Cristo, que “redimiu o ser humano inteiro e deseja recompor em cada um a sua capacidade de se relacionar com os outros”[3]. Com palavras profundamente teológicas e espirituais, o Papa ensina que do Coração de Cristo brota a caridade divina e que está no centro da mensagem do Evangelho a “busca da justiça que é inseparavelmente um canto de fraternidade e solidariedade, um estímulo à cultura do encontro”[4]. Contudo, o Papa é muito consciente de que nem todos dentro da Igreja estiveram e estão abertos a este ensinamento, que aliás não vem dele, mas de Cristo. De fato, na sua exortação “Querida Amazônia” ele reconhece que na história da Igreja muitas vezes “o joio se misturou com o trigo”, pois nem sempre os que deveriam levar a Boa Nova aos povos, isto, todos nós batizados, “estiveram do lado dos oprimidos”[5], deixando-se corromper pelo poder. Com muita humildade e coragem, Francisco reconhece o fato de que mesmo dentro da Igreja, alguns “tenham feito parte das redes de corrupção, por vezes chegando ao ponto de aceitar manter silêncio em troca de ajudas econômicas”[6]. Retomando…
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