Uma das primeiras coisas que aprendemos durante as aulas de Lógica, quando estudamos Filosofia, é a identificar quando alguém está a dizer uma verdade, ou quando o seu discurso é baseado somente em falácias, palavra de origem latina (do verbo fallere), cujo significado é enganar os outros com argumentos falsos. Pois bem, existem diversos tipos de falácias, mas uma das mais usadas é aquela conhecida como Argumentum ad personam – ataque pessoal –, ou seja, quando alguém procura negar a veracidade de um discurso atacando, não o seu conteúdo, mas a pessoa que escreveu ou proferiu tal discurso. É o que temos visto acontecer nos últimos dias, em relação a um excelente documento apresentado pelos bispos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o texto-base da Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021, que está sendo violentamente atacado na internet, por pessoas e grupos que se apresentam como defensores da verdadeira doutrina católica, porque tal documento teria sido escrito por uma pastora protestante feminista, defensora do aborto, etc. Em outras palavras, os que acusam o texto da CF não apontam as falhas do documento em si – porque provavelmente nunca o leram – mas atacam somente quem, segundo eles, o escreveu. Fica evidente que estamos diante de um clássico caso de acusações falaciosas e logicamente incoerentes, porque não provam o que alegam, isto é, não mostram no texto onde está a heresia ou doutrina contra a fé. Assim, sem entrar na análise do conteúdo do texto-base da Campanha da Fraternidade, querem com suas falácias parecer convincentes para grande parte do público, que acaba acreditando, por não perceber que está sendo enganado com falsos argumentos. Não vale a pena, portanto, perder muito tempo com quem se utiliza de argumentos falsos para defender suas ideologias que, aliás, pouco tem de religiosas, espirituais e verdadeiramente cristãs e católicas. Pois, qualquer pessoa com um mínimo de formação teológica e honestidade intelectual que ler o texto-base da CF2021, ficará encantado com a riqueza da sua fundamentação na Sagrada Escritura e no magistério da Igreja Católica, que fala pela voz do Santo Padre Papa Francisco e de seus antecessores, como João XXIII, Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI. O texto da Campanha da Fraternidade deste ano começa nos recordando, por exemplo, que a Quaresma, na tradição cristã, é um período de conversão e de autorreflexão. São 40 dias dedicados à oração, ao jejum, à partilha do pão e à conversão pela revisão de nossas práticas e posturas diante da vida, do Planeta e das pessoas. Em seguida, somos convidados ao arrependimento dos pecados cometidos e o reconhecimento de que esses pecados são uma ofensa ao Deus amor. O texto explica que a contrição não tem relação com o medo de ser castigado por Deus, mas é resultado da graça de Deus, que nos permite o reconhecimento de nossos pecados e o sincero arrependimento, Deus nos perdoa porque é amor misericordioso. Com o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14), frase que é uma “confissão de que a fé em Jesus Cristo não é motivo para divisões e conflitos, mas é a inspiração maior para a convivência e o diálogo” (Texto-Base 114), o texto valoriza o jejum como parte integrante da espiritualidade quaresmal, recordando que há muitas formas de jejuar, mas o jejum que agrada a Deus é apresentado pelo profeta Isaías, que nos questiona se jejuar é não “desatar os laços provenientes da maldade, desamarrar as correias do jugo, dar liberdade aos que estavam curvados, em suma, que despedaceis todos os jugos? Não é partilhar o teu pão com o faminto? E ainda? Os pobres sem abrigo tu os albergarás; se vires alguém nu, cobri-lo-ás: diante daquele que é a tua própria carne, não recusarás. Então a tua luz despontará como a aurora, e o teu restabelecimento se realizará bem depressa. Tua justiça caminhará diante de ti e a glória do Senhor será a tua retaguarda” (Is 58,6-8). Com profundidade teológica, o texto-base destaca a importância do Espírito Santo como o grande animador e vivificador das comunidades cristãs, pois é ele “que nos movimenta para realizar gestos concretos em favor da paz que já temos em Cristo. É o Espírito Santo que abre nossos olhos, mentes e corações para que percebamos o sentido da afirmação da Carta aos Efésios que diz: ‘Assim, não sois mais estrangeiros nem migrantes; sois concidadãos dos santos, sois da família de Deus’ (2,19). Essa nova humanidade que floresce sob o mesmo Espírito fez com que ‘fostes integrados na construção que tem como fundamento os apóstolos e os profetas, e o próprio Jesus Cristo como pedra mestra’ (2,20a), ‘É nele que toda a construção se ajusta e se eleva para formar um templo santo no Senhor’ (2,21). Participantes na Criação e também frutos dela, em Cristo, que é a nossa paz e une os grupos humanos que estavam separados (Texto-Base 137). O elemento cristológico da nossa fé é também explicitado, quando o texto afirma que “em Cristo, recebemos essa abundância de bênçãos, que nos torna herdeiros e herdeiras do Mistério revelado de ser um só povo unido em diversidade. Ser integrados e integradas na construção do Reino de Deus aponta para a unidade, que se realiza na oferta da diversidade dos dons concedidos por Cristo a cada pessoa, para que a casa comum seja um ambiente seguro e feliz para todos os seres vivos” (Texto-Base 137). Trata-se, portanto, de um texto cheio de espiritualidade, que nos conduz ao encontro com o Senhor na oração pessoal e comunitária, colocando no centro da reflexão a necessidade de conversão, que nos provoca a pensarmos e repensarmos cotidianamente nossa forma de estar no mundo. Sendo espiritual sem ser “espiritualista”, o texto nos leva a questionarmos sobre como nos envolvemos com as transformações sociais, econômicas, espirituais, ecológicas, individuais e coletivas, a fim de que sejamos, cada vez mais coerentes com os ensinamentos de Jesus nos Evangelhos. De fato, a CF quer nos ajudar a reconhcer que…
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