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Dia: 4 de agosto de 2021

Um ano do Massacre do Abacaxis: “Nós não podemos deixar morrer essa questão”, afirma Dom Leonardo

Os conflitos envolvendo terra e as comunidades tradicionais e povos originários se tornaram uma constante na Amazônia. Neste 4 de agosto completa um ano do Massacre do Abacaxis, em que indígenas e ribeirinhos na região do Rio Abacaxis e Rio Marimari, entre os municípios de Nova Olinda do Norte e Borba, no Estado do Amazonas, foram assassinados. Ao se completar um ano, para combater a impunidade, tem acontecido o seminário “Um ano do massacre do Abacaxis: Haverá justiça?”, em que a Arquidiocese de Manaus, o Conselho Indigenista Missionário, Comissão Pastoral da Terra e outras entidades civis tem promovido uma reflexão com a participação de indígenas e ribeirinhos e representantes de diferentes entidades sociais e eclesiais. O Seminário tem sido momento para cobrar justiça, mas também para relatar as consequências de um conflito que permanece latente. A principal consequência é que “perdemos essa liberdade dentro do nosso próprio território”, segundo Jair Reis, liderança do povo Maraguá. Ele denunciava “as invasões de caça, de pesca, de madeireiro, de garimpeiro”, e junto com isso, a instauração no meio do povo do terror, o medo e as ameaças, denunciando que “não podemos fazer nada”, se perguntando se “haverá justiça para isso”, pois “passou um ano e nada foi resolvido”. Esse é um relato que também tem sido partilhado pelas lideranças das comunidades ribeirinhas da região e do povo Munduruku, relembrando o acontecido um ano atrás. Do Seminário participaram a deputada Joenia Wapichana, que pediu a apuração das ilegalidades, denunciando as violações de direitos indígenas que estão acontecendo no Brasil, e o deputado José Ricardo, mostrando a vontade do poder público de promover leis para revogar os direitos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal, e o fato de que o Brasil tem “um governo que de forma deliberada age contra os povos indígenas, desmontando as estruturas públicas”. Em representação do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Yuri Costa, que definiu o Seminário como “um ato para continuar na luta por justuça”. Desde o Ministério Público no Estado do Amazonas, Fernando Merloto Soave falava sobre as omissões do poder público, algo muito presente nas comunidades amazônicas, sendo o caso abordado uma referência nesse sentido. Também desde o Ministério Público Federal em Brasília, Felício Pontes chamava a analisar a atividades que estão colocando em risco as populações tradicionais na Amazônia, afirmando que o desejo das comunidades de viver em harmonia com a natureza foi a causa do massacre do Rio Abacaxis. A Igreja tem estado junto desde o início, segundo Dom Leonardo Steiner, citando o acompanhamento do CIMI, CPT, SARES e Arquidiocese de Manaus. O arcebispo de Manaus definiu a situação do Rio Abacaxis como “um momento extremamente difícil, difícil porque o Estado que deveria proteger, viola, destrói, mata”, denunciando que “a Polícia Militar, ela existe para proteger, não para matar”, afirmando que todos sabemos “o que aconteceu e quem são os culpados”, esperando o agir da justiça, que definiu “não como direito, mas como a equidade necessária para a tranquilidade social, para haver relações sociais equânimes”. Dom Leonardo pediu que o Seminário possa ajudar a acordar a sociedade, destacando o esforço dos organismos da Igreja “para não deixar silenciar essa tragédia que aconteceu”. O arcebispo espera que “permaneçamos ativos, acordados e recordando sempre de novo a necessidade de que as pessoas sejam responsabilizadas e os corpos sejam encontrados”. Por isso, ele insistiu em que “nós não podemos deixar morrer essa questão, não podemos deixar desaparecer”. O Seminário foi momento para numa celebração ecumênica fazer memória das vítimas, que além de contar com representantes de diferentes igrejas, congregou lideranças indígenas e familiares das vítimas, recordadas na celebração. Foi momento para denunciar o sofrimento do povo e os abusos de autoridade tão presentes na Amazônia, de mostrar solidariedade e que as comunidades e familiares das vítimas não estão sozinhos. No ato ecumênico, conduzido pelo padre Paulo Tadeu Barausse, o pastor Marcos Antônio Rodrigues, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana de Manaus, afirmava que o Rio Abacaxis poderia ser lembrado como lugar do sofrimento dos pobres. Segundo o pastor, “as águas do Rio Abacaxis se mancharam porque nós não soubemos cuidar daqueles e daquelas entre nós que precisam que a justiça se faça presença e vida na vida deles”. A voz trémula dos familiares foi mais um testemunho de uma dor ainda presente na vida dos moradores de uma região e de um povo que pediu justiça em nome de Deus. Numa carta pública, lida no final da celebração, onde foi lembrado que “o Massacre Abacaxis é um exemplo emblemático da violência das forças policiais no Estado, e também de impunidade quando a violência ocorre contra as pessoas mais vulneráveis”, denunciando abertamente “um Estado que mata, tortura, que vinga sob a mesma justificativa dissimulada de reprimir o tráfico de drogas”. A carta tem denunciado as marcas ainda gravadas na alma do povo, da falta de respostas diante da perda dos entes queridos, da falta de respeito pelos direitos fundamentais, da tortura e humilhação por parte da polícia, do aumento da violência e das invasões. Diante de tudo isso, as organizações que assinam a carta têm mostrado seu repúdio e insistido em que “não há polícia, não há governo e não há descaso que possam derrubar quem está unido na luta por justiça”. Por isso, mais uma vez pediram o esclarecimento do acontecido e a devolução dos corpos desaparecidos. Por isso, refirmaram o afastamento de toda a cúpula da segurança pública do Amazonas diretamente envolvida nas violações.  Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte 1

Padre Zenildo Lima: “A missão é o maior paradigma vocacional que a gente tem”

O Seminário São José de Manaus forma os seminaristas das nove Igrejas particulares que fazem parte do Regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Seu reitor é o padre Zenildo Lima, que no dia 4 de agosto, na festa de São João Maria Vianney, completa 25 anos de padre. Ele entende o ministério em função da missão, desde a abertura, desde uma perspectiva de encontro, numa Igreja que conversa e sabe escutar, começando pelos seus dinamismos internos, uma Igreja dialogal, sinodal. Os seminaristas de hoje fazem parte de uma juventude “muito mais massacrada desde o ponto de vista humano, das suas esperanças, dos seus sonhos”, mas também “na sua interioridade, nas suas perspectivas, nas suas esperanças, nos seus sonhos do que a juventude do nosso tempo”, afirma o reitor do Seminário São José. Numa Igreja sinodal, os padres, para serem sinodais, têm que ser envolvidos em processos sinodais, algo que segundo o padre Zenildo Lima não acontece no seminário, onde os jovens vivem restringidos ao ambiente de seminário, sem ter em conta “outros sujeitos também fazem parte do processo formativo diretamente”. O reitor do Seminário São José fala da necessidade de “pautar uma pastoral vocacional na perspectiva da missão, e consequentemente o engajamento ministerial, engajamento de eclesialidade, de serviço à missão, menos pautado nesta realização pessoal, subjetivista do indivíduo, mais a gente vai ter uma pastoral vocacional mais eficaz”. Depois de 25 anos de sacerdote, qual a leitura que faz? Nesses dias eu estou pensando muito nisso, porque estou fazendo de fato esta releitura, qual era a concepção do ministério que eu tinha, há 25 anos atrás, e qual é a concepção do ministério que eu tenho hoje. E essa concepção está sendo muito iluminada por aquele que vai ser o Evangelho dessa missa que a gente vai celebrar para comemorar os 25 anos: Jesus que se abre aos novos horizontes da missão. Sinteticamente, se poderia dizer numa chave de releitura, que eu compreendo hoje o ministério como uma realidade como uma realidade muito mais aberta, muito mais dirigida a outras pessoas do que aquelas categorias que eu pensava há 25 anos atrás. Eu pensava em ser padre para a Arquidiocese de Manaus, para as comunidades da Arquidiocese de Manaus, e para os católicos dessa comunidade. Hoje, eu compreendo o ministério para a Igreja que está na Amazônia, para a categoria de pessoas que não estão necessariamente nas comunidades eclesiais. Tem uma abrangência, uma abertura. Como ser padre hoje numa realidade que 25 anos atrás estava presente na vida da Igreja, mas digamos que estava congelada, e que hoje marca a vida da Igreja, que é uma Igreja sinodal? Esta pergunta parece muito com a homilia que o bispo fez no domingo da nossa ordenação. Ele perguntava qual a atualidade do ministério do padre. A gente estava beirando o ano 2000, era 96, qual a atualidade do ministério do padre para tempos tão diferentes. E me dei conta que se achamos que a nossa perspectiva é de enfrentamento, cada vez mais a realidade parece desafiadora para o ministério do padre. Se a perspectiva é de encontro, cada vez mais, ela é interpeladora para o ministério do padre. Nesse sentido, a Igreja sinodal é uma Igreja muito mais de encontro do que de enfrentamento, é uma Igreja que conversa, a partir de si mesma, sabe escutar os seus dinamismos internos. Mas também uma Igreja que é dialogal, que conversa com essa realidade, que ela é desafiadora, mas não é ameaçadora. Aquilo que vale para a Igreja, vale para o ministério, uma Igreja sinodal, uma Igreja que deixa de ser uma Igreja de enfrentamento, no sentido de se confrontar, de enfrentar tudo aquilo que a realidade está trazendo, para ser uma Igreja de encontro. Agora, essa experiência do encontro vai exigir dela outros tipos de enfrentamentos, mas não aqueles que ameacem a institucionalidade da Igreja, nem que ameacem a institucionalidade do ministério, enfrentamentos em relação a toda a realidade que ameaça a vida. De novo nessa linha da abrangência, sinodalidade hoje é sinal de encontro, encontro dentro da realidade da dinâmica da Igreja, encontro da Igreja com o mundo, Gaudium et Spes. Ao longo dos 25 anos, a Igreja lhe confiou diferentes serviços, já foi pároco, foi secretário executivo do Regional Norte 1 da CNBB, e agora é reitor do seminário. Antes de ser padre, foi seminarista e hoje acompanha a vida dos seminaristas. Qual a diferença entre os seminaristas de hoje e os seminaristas de 25 anos atrás, entre a formação presbiteral de hoje e aquela que vivenciou 25 anos atrás? É uma diferença que vai na linha da diferença das juventudes de 25 anos atrás das juventudes de hoje, do contexto de 25 anos atrás do contexto de hoje. Não é possível que a gente faça nenhum tipo de analogia ou de comparação valorativa, o que exige de nós é mais uma capacidade de leitura. Há 25 anos atrás a gente vivia um contexto com uma seria de exigências sobre nossa geração. A gente tinha que entrar mais em situações de enfrentamentos, a gente tinha uma realidade social de bastante dureza, falo de 1989, que foi o ano em que eu ingressei no seminário. Hoje nós temos uma juventude que enfrenta outros dramas. Na nossa época havia uma latência muito grande dos desafios sociais, de conjuntura que nos rodeavam. Hoje eu vejo a juventude muito mais massacrada desde o ponto de vista humano, das suas esperanças, dos seus sonhos. Nós somos tentados a perceber na geração dos seminaristas de hoje uma fragilidade maior do que a nossa, mas eu acho que seria precipitado fazer uma afirmação assim. Talvez eu posso dizer que é uma juventude mais massacrada, na sua interioridade, nas suas perspectivas, nas suas esperanças, nos seus sonhos do que a juventude do nosso tempo. Então, a formação presbiteral tem que levar em conta isso. Uma das dificuldades que eu tive no início desse serviço como reitor do seminário, era porque todas as minhas…
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