Agenor Brighenti: Na Reforma da Cúria “não é o mais importante a ortodoxia senão a ortopraxia”
No dia 19 de março foi dado a conhecer o resultado de “uma tarefa encomendada a Francisco ainda nas congregações de sua eleição”, segundo Agenor Brighenti. Essa missão era a Reforma da Cúria. Para isso, “foi constituída uma comissão para pensar isso, e foi um processo realmente longo, praticamente 9 anos, mas é porque o Papa Francisco quis fazer um processo de uma maneira sinodal”. O teólogo brasileiro destaca que o Papa consultou não só a Cúria, mas também as conferências episcopais, os canonistas, as faculdades de teologia, “um processo longo, mas que desemboca em passos importantes”. Ele destaca cinco elementos na Constituição Apostólica Praedicate Evangelium. O primeiro é “a passagem do administrativo ao pastoral, colocar a evangelização no centro da natureza e da organização da Cúria”. Essa passagem foi feita pelo Vaticano II, “mas em termos de organismos de Igreja, nós continuamos muito no administrativo”, em todos os níveis de Igreja. Por isso, o pastoralista destaca que “um ponto importante aqui é colocar no centro o pastoral, a evangelização”. Isso atinge os funcionários da Cúria, “vai ter que ser gente que além da competência, tem que ser gente com experiência de pastoral, com processos de engajamento na evangelização”, afirma o padre Brighenti. O segundo ponto, que destaca, “é desvincular o poder de governo na Igreja do clero”. Para o teólogo, “o poder de governo na Constituição não vem do Sacramento da Ordem, mas o poder de governo na Igreja, ele se funda no Sacramento do Batismo”, uma ideia presente na exortação Querida Amazônia. Nesse sentido, Agenor Brighenti faz referência a que “não precisa ser clérigo nem para presidir o dicastério, basta ser um cristão, que reúne evidentemente o perfil, a competência, o testemunho, a vivência”. Isso contrasta com a eclesiologia pré-conciliar, onde “se dizia expressamente que a Igreja é composta por dois géneros de cristãos, os clérigos e os leigos, o clero é o polo ativo, em que reside todo o poder e toda iniciativa, e os leigos são o polo passivo, a quem cabe obedecer docilmente ao clero”, lembra o teólogo. Mesmo superada no Vaticano II, “ficou a meio caminho como tarefa pendente, porque em muitos aspectos, o próprio Direito Canônico, ele praticamente reserva o poder de governo aos ministros ordenados, quando em realidade isso brota do Batismo, todos pelo Batismo se tornam sacerdotes, profetas e reis”. Em terceiro lugar coloca “que a Cúria deixa de ser uma instância intermediaria entre o Papa e os bispos, entre Roma e as dioceses, para ser uma instância de serviço a ambos, tanto ao Papa quanto às igrejas locais. A Cúria deixa de ser uma instância de controle, ou de poder, para ser uma instância de serviço”. Ele lembra que “a Cúria historicamente, ela aprendeu a ser uma instância de controle, de poder, uma instância intermediaria entre o Papa e os bispos, as igrejas locais, inclusive com poder sobre as Igrejas locais, tomando às vezes decisões, quase como que com certa autonomia em relação ao Papa. Agora a Cúria Romana está ao serviço das igrejas locais e ao Papa, não é uma instância intermediaria, é uma instância de serviço”. A quarta mudança “é a maior autonomia às igrejas locais e ao bispo diocesano”, algo presente na Evangelii Gaudium, que fala da “necessidade de uma sã descentralização do poder na Igreja, da gestão, da administração do governo na Igreja”. Com esta Constituição, “ao ministério petrino são reservadas questões de doutrina, mais ligadas à questão da ortodoxia, em questão mais centrais, mas em outras questões, os bispos e as dioceses locais, terão muita maior autonomia, muito maior poder de governo, porque na maneira que a Igreja anda, quase que o bispo diocesano era um colaborador do Papa”, afirma o teólogo. Na Praedicate Evangelium, “o bispo diocesano ele faz parte do colégio e esse colégio tem uma preocupação pelas solicitudes das igrejas, mas tem como finalidade, desde o princípio de subsidiariedade, apoiar as igrejas locais, servir as igrejas locais. Para poder haver corresponsabilidade, tem que haver autonomia. Com esta Constituição as igrejas locais vão ter muita maior autonomia e o bispo diocesano também”, segundo Agenor Brighenti. A quinta mudança é com relação às conferências episcopais, “que elas também deixam de ser instâncias intermediarias, como eram concebidas”, em palavras do pastoralista. Agora “são organismos de subsidiariedade. Elas não interferem nem no ministério petrino e nem nas igrejas locais. Elas servem tanto o ministério petrino como servem também às igrejas locais. São organismos de serviço em ordem à evangelização”. “As conferências episcopais vão ter também muito maior autonomia, para poder fazer esse serviço de subsidiariedade”, lembra Brighenti, insistindo em que “não é interferência, é no sentido de serviço, de apoio, de subsidiar”. Agora a Constituição “dá uma força, dá uma visibilidade, dá uma margem de aplicação desse princípio de subsidiariedade no governo da Igreja”, segundo ele, que vê a necessidade de “as conferências episcopais repensar seus estatutos, tornar-se muito mais eclesiais do que simplesmente episcopais”, na linha da sinodalidade. Ele destaca outros pontos em relação com a Cúria: “o mandato de 5 anos, porque trabalhar na Cúria não é carreira, não é prêmio, não é algo vitalício, é um serviço temporário”, que tem que ser realizado por gente engajada na pastoral. O Dicastério para a Evangelização, “que é o primeiro, é central, vai unir dois organismos que existiam anteriormente e eles vão ser chefiados pelo Papa”. Segundo Agenor Brighenti, “a tarefa de evangelizar é a essência da Igreja e isso é a missão do ministério petrino, e essa é a missão de todo bispo, a centralidade da evangelização, e isso a Cúria Romana o coloca em primeiro lugar, uma mudança importante”. Também destaca a criação do Dicastério para o Serviço da Caridade, central na fé cristã, na linha do desenvolvimento dos povos de Gaudium et Spes. A Constituição cita explicitamente, lembra o teólogo, “a opção preferencial pelos pobres”, uma categoria muito latino-americana. Quer se superar o assistencialismo, mostrando “preocupação com a emancipação, com a inclusão dos marginalizados”. Deixa de ser central o Dicastério da Doutrina…
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