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Dia: 23 de janeiro de 2023

Dom Roque Paloschi: “A Igreja de Roraima ficou junto aos povos indígenas contra tudo e contra todos, e tem pago um preço muito caro”

As palavras de uma música cantada nas comunidades: “Ninguém se engana, ninguém se engana, essa história já começou desumana”, são lembradas por Dom Roque Paloschi ao falar da realidade do Povo Yanomami. Uma realidade que ele conhece de primeira mão, dado que entre 2005 e 2015 foi Bispo da Diocese de Roraima e desde setembro de 2015 até hoje ele é Presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Uma história que “se tornou desumana de uma maneira muito visível, muito concreta, que abalou o mundo, na tentativa do Regime Militar da construção da Transamazônica, aonde houve uma invasão de garimpeiros que exigiu por parte das entidades humanitárias e a Igreja um empenho muito grande para a denúncia no exterior em relação ao genocídio que estavam vivendo os povos yanomami”. O Arcebispo de Porto Velho lembra também da Campanha SOS Yanomami lançada no final da década de 80, “envolvendo muitos setores democráticos no Brasil e entidades ligadas também à defesa dos direitos humanos e à Igreja, que foi muito importante também”. Um período que define como “uma tragedia humanitária muito grande”, recordando como com muito sacrifício o governo conseguiu a retirada dos garimpeiros, que na verdade não saíram totalmente. Inclusive alguns foram entrando na Terra Yanomami e se apossando de grandes extensões de terra na perspectiva de tomar posse dessas terras. Ele se refere a um período bastante curto de certa tranquilidade junto às comunidades yanomami em relação ao garimpo. Essa realidade mudou a partir do ano 2005, com uma presença visível dos garimpeiros, uma situação continuamente denunciada por diversas entidades ligadas aos yanomami, assim como pela Igreja de Roraima e o próprio Conselho Indigenista Missionário. Garimpeiros “acobertados pelos grandes proprietários e pelo poder político local”, denuncia Dom Roque. O Presidente do Cimi destaca a importância do reconhecimento e demarcação das terras yanomami nos anos 90, na época do Governo Collor, que ele vê como algo decisivo. Dom Paloschi insiste em não ignorar que mesmo com a Constituição de 88, dos artigos 231 e 232, “sempre foi uma luta em glória a questão da saúde do Povo Yanomami e a questão da educação”. A Igreja com sua missão junto ao Povo Yanomami, “sempre procurou ser essa presença de proximidade e de solidariedade, onde eles precisam ser os sujeitos, os protagonistas da história”, destaca o Arcebispo de Porto Velho. Em relação ao atual cenário, Dom Roque insiste em que “não é de hoje que as denúncias têm sido feitas em âmbito do país, Ministério Público, Polícia Federal, tudo quanto é órgão governamental tem sido feito essas denúncias, mas infelizmente nós chegamos aonde chegamos porque os invasores e também aqueles que garantem a presença dos invasores lá, se sentiam sempre autorizados pelas falas do senhor presidente que deixou o cargo há pouco, e também pela sua equipe de ministros e toda essa frente”. Dom Roque Paloschi insiste que “pode ser difícil nós vermos essas imagens, mas isto não vem de hoje, isto é uma tragedia já anunciada”. Ele não duvida em afirmar que “nós vivemos num país preconceituoso, discriminatório, aonde queremos negar os direitos originários dos primeiros habitantes dessas terras. Os povos yanomami vivem nessa região há mais de 12 mil anos segundo os estudos, mas nós, porque armamos um arcabouço jurídico, achamos que temos o direito de tirar os únicos direitos que eles têm, os seus territórios, as suas culturas, as suas espiritualidades e o seu modo de viver”. “O Povo Yanomami, e isso dito por Davi Kopenawa, não é contra o desenvolvimento, os povos indígenas não são contra o desenvolvimento, mas que desenvolvimento é esse, onde queremos destruir a Criação, envenenar a terra, a água e o ar para concentrar riqueza nas mãos de pouco?”, ressalta Dom Roque. Ele destaca que “é mais do que urgente que o Governo Federal com seus diversos ministérios assuma essa responsabilidade pública e não dê trégua até que não se retire o último invasor de todas as terras indígenas, que está sendo uma vergonha para o Brasil, aonde nós estamos negando o direito dos primeiros habitantes dessas terras”. O Povo Yanomami sempre dispensou uma grande acolhida à Igreja católica, não duvida em disser aquele que foi Bispo da Diocese de Roraima por 10 anos. Dom Roque destaca o tempo em que a diocese coordenou a saúde indígena, sendo pedido com insistência pelos povos indígenas para que a diocese não deixasse de fazer esse trabalho, sendo abandonado em consequência das grandes dificuldades com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). Nesse sentido, ele lembrou que as comunidades sempre perceberam a presença dos missionários e missionárias não como “uma presença de quem caminha junto respeitando a cultura, respeitando a espiritualidade, respeitando o modo de vida, respeitando a história”. Dom Roque lembrou as palavras do Papa Francisco aos Bispos com motivo da Jornada Mundial da Juventude em 2013, quando o Santo Padre disse: “A Igreja está na Amazônia, não como aqueles que têm as malas na mão para partir depois de terem explorado tudo o que puderam. Desde o início que a Igreja está presente na Amazônia com missionários, congregações religiosas, sacerdotes, leigos e bispos, e lá continua presente e determinante no futuro daquela área”. “Tudo isso tem demostrado também o grande reconhecimento que a presença dos missionários, seja na missão Catrimani como também na missão Xitei, por mais de 20 anos, que infelizmente não conseguimos mais missionários, missionárias que aceitassem viver naquela região, ficou uma lacuna”, lembra Dom Paloschi. Ele insiste em que “eu posso dizer o muito carinho da receptividade, da acolhida, mas também deste caminho respeitoso da Igreja, dos missionários em relação à vida deles e eles também em relação à vida dos missionários”. Algumas pessoas, inclusive entre seus membros, querem desacreditar a postura da Igreja manifestada na nota dos Bispos do Regional Norte1 da CNBB no dia 21 de janeiro de 2023, Dom Roque Paloschi não duvida em dizer que “a ignorância é a pior coisa, é o pior peso que nós carregamos”. Segundo o Presidente do Cimi, “o povo de Roraima, o povo da…
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Diocese de Roraima, sempre companheira e defensora do Povo Yanomami

A dor do Povo Yanomami vem dilacerando a vida de um dos povos mais numerosos e sofridos da Amazônia brasileira. As cenas reveladas nos últimos dias são um episódio mais de uma série de fatos que mostram as consequências dos abusos cometidos nos últimos séculos contra os povos originários no Brasil. Na história do Povo Yanomami, uma de suas grandes defensoras nas últimas décadas tem sido a Igreja católica, especialmente através dos missionários e missionárias da Consolata, que desde 1965 assumiram a missão Catrimani, um exemplo daquilo que hoje, especialmente depois do Sínodo para a Amazônia é conhecido como evangelização intercultural. Do mesmo modo, os Yanomami que habitam na Diocese de São Gabriel da Cachoeira, no Estado do Amazonas, têm contado com o apoio e defesa dos salesianos e salesianas. Na missão Catrimani, um bem e um dom para a Igreja de Roraima, se fez realidade um modelo de missão fundado sobre o respeito e o diálogo resultando em ações concretas em defesa da vida, da cultura, do território e da floresta, a Casa Comum. Uma missão fundamentada no silêncio e no diálogo gerando laços de amizade e alianças na ótica do bem viver. Uma missão que ao completar 20 anos levou o então Bispo, Dom Aldo Mongiano, a dizer que “É privilégio ter os Yanomami”. A defesa do Povo Yanomami tem sido uma prioridade para os últimos Bispos da Diocese de Roraima, levando essa Igreja local a se posicionar. Dom Roque Paloschi, Bispo da Diocese de Roraima de 2005 a 2015, afirmou na introdução ao Livro “O Encontro”, que relata memórias da Missão Catrimani, que “encontrar e conhecer os Yanomami têm sido um caminho extraordinário, um bem e privilégio para a Igreja de Roraima”. Uma missão que “é o antídoto contra as violências que os Yanomami sofriam na época e ainda sofrem”. Um modo de anunciar o Evangelho que tinha como fundamento “a ideia de que os índios não precisam ser modificados”, segundo Dom Roque, que insistia em que “as sociedades ameríndias, assim como qualquer outra sociedade, devem ser compreendidas e respeitadas nas suas diferenças”. De fato, Dom Servilio Conti, bispo na época, buscou com a missão Catrimani, “conhecer aquele povo, amá-lo e com ele viver”. O convívio com os yanomami ajudou a Igreja de Roraima a descobrir que é “necessário entender, aprender a ver o mundo com os olhos do outro”, afirmou o Presidente do Conselho Indigenista Missionário. Segundo ele, “os missionários fundiram e, de certa forma, subordinaram os destinos da missão ao destino dos Yanomami, colocaram-se ao lado dos Yanomami e a serviço de um projeto de vida voltado à dignidade e autodeterminação desse povo”, um caminho nem sempre fácil, que os levou a serem expulsos em 1987 por 18 meses. Já em 2017, quando foi publicado o livro, Dom Roque Paloschi denunciava a ameaça do garimpo na Terra Yanomami: “atualmente, as invasões e depredações das suas terras continuam, com a constante presença de garimpeiros e a pesca predatória. Os indígenas denunciam, mas permanece a impunidade”. Ele fazia um apelo para as parcerias e as redes para “a luta contra os ‘dragões mortíferos’ da vida”. Na mesma linha se manifestou o último Bispo da Diocese de Roraima, atual Arcebispo de Cuiabá, Dom Mário Antônio da Silva, em 23 de abril de 2022, destacando que na história da Igreja de Roraima, “a causa da vida dos povos indígenas foi assumida como anúncio da dignidade humana e, por vezes, com denúncia daquilo que negava o Evangelho e os direitos humanos”. O 2º Vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil denunciava que “nos últimos 3 anos, o dragão devorador da mineração tomou força novamente e avança com toda ferocidade e poder das organizações criminosas sobre a Terra Yanomami”, lembrando os constantes ataques, crimes e mortes provocadas pelo garimpo. Algo que denunciava como “uma vergonha para nosso país e fazem o nosso coração sentir o sofrimento e a morte que os Yanomami e a natureza estão vivendo”. Dom Mário Antônio denunciou “a omissão e a responsabilidade do Governo Federal, que ao invés de cumprir seu papel constitucional na defesa dos povos indígenas e de suas terras, patrimônio da União, incentiva as invasões e coloca na pauta do Congresso Nacional o projeto de lei, que legaliza a mineração em terras indígenas”, enumerando as graves consequências disso.  Diante dessa realidade, ele convidou a se unir na defesa e na garantia da vida e do território do povo Yanomami, a não compactuar com a mineração nas terras indígenas, a defender e cuidar da casa comum. O atual administrador diocesano, Padre Lúcio Nicoletto, denunciou essa realidade na Visita ad Limina do Regional Norte1 da CNBB ao Papa Francisco em junho de 2022, lhe entregando uma tela de um artista local onde aparecia o garimpo avançando e destruindo o Corpo do Yanomami, querendo assim denunciar as consequências do avanço do garimpo na Terra Yanomami. Essa foi mais uma denúncia de tantas realizadas nas últimas décadas, especialmente nos últimos anos, pela Igreja de Roraima, levando ao Santo Padre uma expressão do drama dos yanomami em relação à destruição da sua vida. Uma Igreja que no dia 21 de janeiro de 2023 expressou “a nossa solidariedade ao Povo Yanomami e o nosso repúdio ao genocídio, envolvendo pelo menos 570 crianças, devido ao caos instalado nos últimos anos quanto à desassistência na saúde indígena, alto índice de malária, desnutrição e contaminação por mercúrio, provocados pelo garimpo ilegal na Terra Indígena no período do (des)governo anterior e sua necropolítica”. Dizendo apoiar as medidas do governo federal, esperam “medidas que venham solucionar esta situação, como a retirada do garimpo daquelas terras, sempre na defesa e promoção da vida”. Mais um exemplo de uma profecia iniciada muito tempos atrás e que a Igreja de Roraima não quer deixar morrer. Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1