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Dia: 29 de janeiro de 2023

Cardeal Steiner denuncia “A catarata da insensibilidade da alma que já não vê as necessidades do espírito e do corpo”

“Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se… começou a ensiná-los em marcha os pobres de espírito”. Com as palavras do Evangelho de Mateus começou o Cardeal Leonardo Steiner sua reflexão do 4º Domingo do Tempo Comum. Lembrando também a segunda leitura, ele disse: “Considerai vós mesmos, irmãos, como fostes chamados por Deus”. O Evangelho, segundo o Arcebispo de Manaus, nos mostra que “somos vocacionados a uma vida de plenitude”, lembrando que nas Bem-aventuranças “porque chamados a viver o Reino de Deus, de sermos com Jesus, pobres em espírito, consolo, mansos herdando a terra com bondade, termos fome e sede de justiça, sermos misericordiosos, puros de coração, provedores da paz, herdeiros do Reino de dos Céus. Nas Bem-aventurados, no alegrai-vos e exultai, nos damos conta, da vocação a que fomos chamados: viver a graça do Reino de Deus, o modo de Deus”. Dom Leonardo identificou a Bem-aventurança com a perseverança “pelo deserto da injustiça, da perseguição”, mas também aqueles que são “perseverantes e caminhantes na santificação e misericórdia”, no consolo e na mansidão, na liberdade e na pureza de coração. Um caminhar sem “jamais deixar de seguir Jesus”, em um caminho onde “nos perfazemos bem-aventurados, bem-aventuradas, felizes!”.  Segundo o cardeal, “as Bem-aventuranças definem nosso modo de viver, de seguir a Jesus, de sermos os seus discípulos”. Para isso, temos que entender que “sermos discípulos, discípulas de Jesus, é ser chamado a ser bem-aventurado, bem-aventurada. Perseverar, caminhar, ousar fidelidade, não olhar para trás quando na aflição, na pobreza, na fome, na perseguição, no desconsolo, na injustiça. Perseverar, caminhantes no semear a paz, no espargir misericórdia, no habitar a mansidão. Movermos os pés e o coração quando os olhos já não enxergam mais a Deus, ofuscados pela violência, ambição, paixão. Serão purificados nossos olhos”. O desafio é viver “a lógica que o Reino de Deus nos oferece, pois oferece a misericórdia, a sinceridade de coração, a luta pela paz, a perseverança diante das perseguições, a pureza que deixa ver Deus”. Mas diante disso, ele questiona: “O que soa aos nossos ouvidos na cotidianidade?”, respondendo que é “a importância do eu, o egocentrismo, a força do dinheiro, do mercado, a comodidade, o poder, a segurança, a ganância, o acúmulo, bem-estar. A felicidade apresentada uma verdadeira ilusão, pois poder, liberdade aparente, não satisfazem a existência de uma pessoa”. Frente a isso a proposta de Jesus: “em espírito generoso, acolhedor, solidário, realmente livre!”.  Refletindo sobre a realidade, Dom Leonardo disse que “a vida nos é apresentada cheia de sorrisos, de danças, de prazeres. Um lugar onde não existe nem fome nem dor, nem choro nem lamento, sem aflição. Um mundo onde não há motivo e necessidade de chorar”. Isso contrasta com o felizes “os aflitos, porque serão consolados”. Segundo o Arcebispo de Manaus, “somos sempre necessitados de consolo e seremos felizes se formos consolo”. Diante do fato de vermos “que a força, a agressão, a violência são apresentadas como solução da convivência humana”, Dom Leonardo lembrou o que nos diz Jesus: “os mansos, possuirão a terra”, insistindo em que “os que realmente habitam, moram na terra, no Reino de Deus são os mansos, não os agressores”. Frente às “insinuações da injustiça com suas artimanhas e depredações”, fez ver a proposta de Jesus: “Felizes os que trilham o caminho da justiça e nela perseveram”. Numa sociedade onde “somos tocados pela realidade das ofensas, das agressões, o desprezo pela reconciliação, a surdez para com o perdão, a dureza com a fraqueza do outro”, Jesus nos diz: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”, vendo a felicidade naqueles que se deixam comover pela miséria e pelo sofrimento dos outros.   O cardeal denunciou a “catarata da ignorância, da insensibilidade”, que tomou conta dos nossos olhos. Ele insistiu em que “o Mistério não conta. Se significa algo, conta ideologicamente como imposição de ideias, perdendo a grandeza da fé, o crer”. É por isso que Dom Leonardo denuncia “a catarata da insensibilidade da alma que já não vê as necessidades do espírito e do corpo”, algo que podemos ver no que “está a acontecer com nossos irmãos e irmãs Yanomami”, que comparou com o acontecido no holocausto contra os judeus, dizendo abertamente que “perdemos nossa humanidade. É que perdemos o coração, vendemos a nossa alma. Só os puros de coração veem a Deus e veem a dignidade da pessoa humana e suas necessidades”. Em nossos dias a força, a violência, é “vista como solução; a guerra como dominação, subjugação”. Diante disso a proposta de Jesus é a paz, o que o leva a questionar: “Porque a guerra, a destruição, a violência? Por que essa matança?”. Em relação com a justiça do Reino, Dom Leonardo disse que “gera muitas vezes desconforto, desalojamento, perseguição. Mas, enquanto a justiça do Reino for nossa causa, estamos umbilicalmente ligados e alimentados pela força do Reino da verdade e da graça, do amor, da justiça e da paz”. Refletindo sobre o ser felizes dos que tem espírito de pobre, Dom Leonardo os identifica com “os que sabem viver com pouco, com o suficiente, com o que concede dignidade, confiando sempre em Deus”. Ele destacou a felicidade das “comunidades eclesiais com a força e alma de pobre, porque estará atenta e a serviço dos necessitados e viverá do Evangelho com mais liberdade”. Também, em relação aos sofridos, vê felizes àqueles “que vivem com coração benévolo, cordial e clemente”. Isso o levou a ver felicidade nas “comunidades eclesiais cheias de mansidão e acolhimento, pois serão uma dádiva para o nosso mundo agressivo e violento”.   Sobre a felicidade dos que choram, dos que padecem “injustamente sofrimentos, rejeição e marginalização”, Dom Leonardo disse que “com eles pode-se criar um mundo melhor, mais digno, mais fraterno”, algo que também destaca nas comunidades eclesiais que sofrem por ser fiéis a Jesus. O cardeal identificou os que tem fome e sede de justiça nos que “não perderam o desejo de ser justos e solidários, nem a força de construir um mundo mais digno e justo”, mas também nas “comunidades eclesiais que…
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Yanomami E Nós

“Ter de resisti à dor, à dor. Sem compreender por que à dor, à dor. Ter de suportar viver à dor, à dor. E sem merecer à dor, à dor. Se é esse o meu destino, quem é o algoz que me traçou. Quem me contaminou. Quem me doou a dor.” (Milton Nascimento) A dor e a revolta que afloram quando os olhos são agredidos pelas fotografias de crianças Yanomami esqueléticas, meio moribundas, lembrando as imagens da Biafra e do Holocausto! Humanos, esqueletos ambulantes, quase esquecidos dos passos. Aquelas imagens do passado acusavam a nossa desumanidade, a incapacidade de compadecimento, a perda da alma. As imagens de hoje a denunciar a segregação, a injustiça, a morte lenta de um povo, a perda de nossa alma. Alma no dizer do poeta: “quando a alma não é pequena”. Tudo pela ideologia do mercado, do dinheiro: ouro. O ser humano que ali habita não conta. São envenenados. Como lembra Davi Kopenawa: “Os Yoanomami nunca morreram de fome. Estou aqui, tenho 66 anos e quando era pequeno, ninguém morria de fome. Agora o garimpo está matando o meu povo e também os parentes Munduruku e Caiapó. Quando os indígenas ficam doentes, eles não conseguem trabalhar ou caçar.” Eis a causa da desnutrição, da morte. É pouco dizer do descaso das pessoas responsáveis pelos órgãos que deveriam preservar as terras, as águas, a “casa”, a cultura, a vida dos povos indígenas. As mais de 500 crianças mortas clamam por justiça! A justiça poderá resgatar a alma da nossa humanidade, da indiferença e agressão em relação aos que aqui habitavam antes da chegar dos europeus. Os bispos do Regional Norte I da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, manifestaram a sua indignação e solidariedade: “estarrecidos e profundamente indignados, estamos vendo as imagens dos corpos esqueléticos de crianças e adultos do Povo Yanomami no Estado de Roraima, resultado das ações genocidas e ecocidas do Governo Federal anterior, que liberou as terras indígenas já homologadas para o garimpo ilegal e a extração de madeira, que destroem a floresta, contaminam as águas e os rios, geram doenças, fome e morte. Mais de 570 crianças já perderam a vida.” (Presidência CNBB Norte I) Com Milton Nascimento repetimos a pergunta acusatória: “quem é o algoz que me traçou. Quem me contaminou. Quem me doou a dor.” As imagens não podem percorrer as trilhas do esquecimento e da indiferença. A dor é grande demais para que as autoridades e a sociedade brasileira se deixem tomar pelo momento e depois ingresse no tempo de um passado esquecido. Há necessidade urgente de responsabilização! A quanto tempo se está a denunciar a situação dos povos indígenas, a quanto tempo os indígenas a clamar por direito de viver e, no entanto, ignorados pelas autoridades e mesmo pelos grandes meios de comunicação. Como se não fosse Brasil, como se não fossem pessoas, como se não fossem filhos e filhas de Deus. Ou como diz o poema de Nascimento: “Homem não existe para ser só animal. A sua história é mais que corporal.” A esperança a guiar nossos desejos e propósitos, o horizonte da convivência e dignidade. Esperança, pois vemos que os indígenas assumem o Ministério e os Órgãos que devem estar a serviço desses povos. Esperança de que o Supremo Tribunal Feral julgue o quanto antes a RE 1.017.365 de repercussão geral. Indefinição sobre marco temporal abre brecha para perseguir lideranças indígenas, invasões, violência, morte… Vale lembrar que não é eles ou nós, nem eles e nós. Somos Yanomami E Nos!   Cardeal Leonardo Steiner Arcebispo de Manaus