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Dia: 7 de março de 2023

O cuidado com a Vida, mulheres guardiãs do Bem Viver

Escrevo a partir das experiências que tenho vivenciado nas comunidades, nesta imensa Amazônia, a gente percebe a importância das mulheres na dimensão do cuidado com a vida em todas as suas dimensões. No universo feminino a vida humana não é fragmentada, pois há uma interdependência entre todos os seres que habitam o mesmo espaço. Os territórios fazem parte da vida das mulheres, tudo está interligado. Existem muitos aspectos que vão destruindo essa inter-relação e harmonia que faz possível o Bem Viver. Neste chão da Amazônia avançam brutalmente os grandes projetos, as mineradoras cada vez mais destruidoras, as empresas madeiras que desertifica a floresta, as hidroelétricas que extinguem a biodiversidade, inundando povos, culturas e florestas, aniquilando os sonhos da convivência com a Mãe Terra. Neste contexto de degradação da vida, somos todos desafiados a aguçar o olhar para realidades aparentemente invisibilizadas, nocivas e que reforçam o patriarcalismo e o machismo numa sociedade que insiste em cultivar a cegueira. Não podemos continuar impassíveis diante de tantas situações de morte, manifestadas nas redes bem articuladas dos narcotraficantes, que aliciam cotidianamente crianças, adolescentes e jovens e os introduzem no mundo do crime em troca de ínfimas possibilidades de sobrevivência, o êxodo e a migração forçada, que na busca dos sonhos por uma vida melhor, caem na armadilha destas redes que se aproveitam das necessidades básicas, para tornarem famílias inteiras escravizadas. A naturalização do abuso, exploração sexual de crianças e adolescentes, a crescente violência contra as mulheres, o extermínio das juventudes, a drogadição, o alcoolismo financiado pela indústria de entorpecentes, que atrofia a capacidade de empoderamento e autonomia das pessoas, são realidades que nos interpelam a tomar posição e agir. A naturalização destas violências passa pelo cotidiano da vida das pessoas, e vai dando poder cada vez maior às redes criminosas, que se apresentam como possibilidade de um futuro melhor para quem de fato está caindo nas ciladas de um sistema de exploração e dominação. Um outro aspecto que fica fora do olhar da sociedade e até mesmo da racionalidade, que submete o feminino a categorias secundárias, é o tráfico de pessoas, que vitima principalmente as mulheres, se convertendo na mais brutal de uma violência que muitas vezes começou na mais tenra infância, através do abuso e exploração sexual, que tem se naturalizado na Amazônia, igual tem acontecido com tantas outras violências. A mercantilização do corpo e da corporalidade das mulheres, tratadas como mercadoria e objeto de exploração, tem se tornado um negócio lucrativo que se espalha através dos rios e estradas, até chegar nos cantos mais remotos da Amazônia, sem limite de fronteiras, e com a omissão e conivência das instituições que deveriam garantir o cuidado com as pessoas. Nos processos formativos de prevenção ao tráfico de pessoas, desenvolvidos nas comunidades, aparecem muitos relatos que demonstram a inter-relação entre os crimes do tráfico de drogas, armas e pessoas. As pessoas conhecem, sabem que existe, mas não identificam o crime do tráfico de pessoas como uma realidade presente nesses locais, especialmente nas comunidades indígenas e ribeirinhas, que lentamente rouba os sonhos de uma juventude que busca uma vida melhor nas grandes cidades e que caem na armadilha do crime organizado. Essa exploração, que perpassa a vida dos povos e da floresta, está inter-relacionada. Seguindo a lógica do capital, que explora e dilapida os recursos naturais, a vida das mulheres se vê submetida a esse mesmo processo de exploração. Sendo conscientes que são as mulheres quem mais e melhor cuidam da Casa Comum, como manifestam as pequenas iniciativas gestadas e nascidas nos grupos de mulheres e espalhadas por toda a Amazônia, ignorar esta exploração que elas sofrem, vai ter como consequência inevitável o fim do sistema que afiança o Bem Viver. Garantir o cuidado com a Vida e promover o Bem Viver só vai ser possível na medida em que juntemos esforços e assumamos as causas de quem lida cada dia com esse propósito. Não é possível permanecer em processos que querem desassociar as realidades numa tentativa de implementar um sistema onde o individualismo provoca o enfraquecimento das lutas comuns. O melhor cuidado é aquele que nasce de dentro da realidade. Só quem tem os pés e o coração neste sagrado chão amazônico é capaz de compreender, na sua profundeza, a inter-relação dos processos de vida que se dão, e revelam os muitos modos de entender a vida que aparecem nas diferentes comunidades amazônidas. Aprendamos com essas mulheres, que cuidam do cotidiano da vida as tantas realidades que garantem o Bem Viver. Superemos relações de submissão e exploração, a partir de atitudes que possibilitem a tessitura de aprendizados, que transformem a vida e recriam novas possibilidades geradoras de esperanças. Ir. Rose Bertoldo, secretária executiva CNBB Norte1 – Rede um Grito pela Vida

Agenor Brighenti: Assembleia Eclesial e Sínodo 2021-2024, “verdadeiros Pentecostes para a Igreja”

A Igreja na América Latina e no Caribe pode ser considerada como aquela que tem cultivado com maior cuidado a semente da sinodalidade plantada no Concílio Vaticano II. Nas últimas décadas, tomou medidas que podem ser consideradas prova disso, a mais recente e indiscutivelmente mais decisiva foi a Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, realizada em novembro de 2021, com a presença dos vários estratos do Povo de Deus. Processos relacionados O Sínodo 2021-2024 e a Primeira Assembleia Eclesial estão “intimamente ligados no tempo, nos seus objetivos e no formato do evento“, segundo o Padre Agenor Brighenti, como deixou claro aos participantes da Assembleia Sinodal do Cone Sul, que se realiza em Brasília, de 6 a 10 de março. Dois eventos relacionados com a experiência da Igreja no continente nas últimas décadas, que ele define como eventos kairológicos, “verdadeiros Pentecostes para a Igreja”. O teólogo brasileiro define-os como “verdadeiras efusões do Espírito, que abriram novos caminhos para a Igreja e que continuam a inspirar novas respostas aos desafios da evangelização no nosso contexto“. A partir daí, destacou a importância do Sínodo para a Amazônia, da Primeira Assembleia Eclesial e do Sínodo 2021-2024, que circunscreve à Conferência de Aparecida em 2007 e à eleição do Papa Francisco em 2013, eventos que relançaram o Concílio Vaticano II, e no caso da América Latina e do Caribe, a Conferência de Medellín.   Uma novidade em formato e agenda A Primeira Assembleia Eclesial é considerada por Agenor Brighenti como uma novidade, devido ao seu formato, e um marco, devido à sua agenda, que reanimou Aparecida. Uma assembleia da qual surgiu um texto final seguindo o método de ver, julgar, agir, que é uma síntese e sistematização do conteúdo dos quatro documentos gerados no processo de preparação e realização da Assembleia: Documento para o Caminho, Síntese Narrativa, Documento para o Discernimento e Conclusões da Assembleia. Como Brighenti demonstrou, o texto reúne os aspectos significativos dos povos do continente na esfera social, grandes iniquidades, a fragilidade das democracias, a casa comum em perigo, a cultura do descarte, as novas religiosidades e rostos protagonistas, e na esfera eclesial, o clericalismo, o protagonismo dos leigos, jovens, mulheres, povos originários e afrodescendentes, a formação nos seminários, os abusos e ser uma Igreja em saída. Daí surgiram novos caminhos a seguir, com 32 propostas pastorais com as correspondentes linhas de ação, distribuídas em 6 dimensões, sistematizadas com base nos 231 desafios, 42 propostas pastorais e 12 prioridades elaboradas pela Assembleia. A partir daí, a Assembleia propôs 3 horizontes: uma Igreja sinodal, de comunhão e participação, que analisa o que é a sinodalidade e como se concretiza a comunhão, baseada na participação e no discernimento entre todos; uma Igreja missionária, companheira de caminho, que procura assegurar que todos alcancem o objetivo; e uma Igreja samaritana ao serviço da vida em plenitude, que serve, escuta o grito dos pobres e caminha em conjunto com outros atores sociais. A conversa espiritual como metodologia Os quatro encontros em que a Igreja na América Latina e Caribe realizou a Etapa Continental do Sínodo 2021-2024 utilizaram a conversa espiritual como metodologia, um método dado a conhecer pelo jesuíta Óscar Martín. Na tradição espiritual da Igreja tem havido uma mudança, “de experimentar Deus através da mediação para experimentar o Senhor através da comunicação existencial com Ele”, sendo a chave que “Deus pode e quer comunicar diretamente com a sua criatura”. A conversação espiritual é uma metodologia simples, baseada num diálogo entre Deus e a Sua criatura, que tem lugar no coração humano através de movimentos e que se baseia “na convicção de que há uma influência do Espírito Santo no coração de todos os cristãos“. Estas moções, que o discernimento nos ajuda a descobrir para onde vão, são uma expressão do espírito bom e do espírito mau.   O discernimento como um processo espiritual que busca Deste ponto de vista, o discernimento deve ser entendido como um processo espiritual que busca, que nos faz perceber e distinguir os movimentos do Espírito no nosso coração e nas realidades humanas que apelam à nossa liberdade para uma decisão ou uma ação. O discernimento requer “olhos para ver e ouvidos para escutar o que Deus quer”, para procurar e encontrar a vontade de Deus. O discernimento tem lugar a três níveis: pessoal, comunitário e apostólico. Pode, portanto, dizer-se que a conversa espiritual é uma metodologia para encorajar o discernimento comunitário, uma troca centrada na qualidade da escuta, que atende às moções do próprio coração e as dos outros. O objetivo da conversa espiritual é detectar os movimentos espirituais e o seu fruto é o discernimento, procurando luz para avançar no caminho sinodal. Isto é realizado em três ciclos, começando com a partilha dos frutos da leitura orante e da escuta ativa, refletindo sobre o que mais impressionou cada um, procurando preocupações comuns e gerando harmonia, e em terceiro lugar sentindo e expressando o que o Espírito nos diz, procurando descobrir para onde o Espírito está a mover a comunidade. Uma metodologia que irá orientar os participantes nesta Assembleia Sinodal do Cone Sul, procurando contribuir com elementos que ajudem a concretizar de novas formas o que a Igreja Sinodal quer tornar realidade. Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1