Moises Sbardelotto: “Não tem como se pensar uma Igreja sinodal se levar em conta a cultura digital”
Ao longo da história, os processos evangelizadores foram mudando, e hoje eles estão cada vez mais influenciados pelo mundo digital, sendo a cultura digital um elemento que determina os processos evangelizadores. Diante dessa realidade, Moisés Sbardelotto acha que, “ao longo da história, o desafio sempre foi esse, estabelecer o diálogo entre fé e cultura”. Nesse ponto recorda que o Papa Paulo VI dizia que o problema se dá justamente na ruptura atual entre fé e cultura. Uma cultura digitalizada “Hoje também, com a cultura digital, mudam as linguagens, mudam os métodos, mudam os ambientes também de relação, a ponto de o Papa Francisco falar de uma cultura amplamente digitalizada. Ele diz que isso tem efeitos sobre a própria identidade e a relação que as pessoas estabelecem”, afirma Sbardelotto. Segundo o investigador, “nos últimos 30 anos, desde que a internet se disseminou na sociedade em geral, praticamente tudo o que nós fazemos mudou de alguma forma, no campo da política, da saúde, da educação. E é claro que isso vai afetar também a prática religiosa e, neste caso, também o processo de evangelização nas igrejas cristãs”. O desafio, segundo Sbardelotto, está em “tentar entender essas transformações, principalmente tentar entender essa cultura, que traz toda essa mudança, que é muito rápida, muito intensa”. Ele afirma que, “pensando na relação entre a história da Igreja, de milênios, e esta transformação digital que se dá em poucos anos, a gente tem aí um choque cultural muito forte”. Isso faz com que “a Igreja, de um ponto de vista mais institucional, demore a responder a essa nova realidade, mas é fundamental ao menos entender essa nova cultura, porque senão essa divisão entre a fé e a cultura vai aumentar cada vez mais”. Aproximação da Igreja com os ambientes digitais Sbardelotto reconhece que “a Igreja, pelo menos, vem dando passos, conscientes, reflexivos, com muita cautela, mas ao mesmo tempo com muita coragem, no sentido de fazer essa aproximação com os ambientes digitais. A tal ponto que agora, no debate que está se dando em torno ao Sínodo da Sinodalidade, esse é um dos temas centrais, votado inclusive pela Assembleia Sinodal como um foco necessário para a reflexão”. Ele lembra que “já no Relatório de Síntese a cultura digital aparece como algo positivo, como uma dimensão crucial, segundo o Relatório, para a missão da Igreja hoje. Não tem como se pensar uma Igreja sinodal se levar em conta a cultura digital, mas, ao mesmo tempo, surgem algumas problemáticas que essa cultura traz para a própria noção de evangelização”. O professor da PUC Minas define essa cultura como “muito mais efêmera, individualista, em que os vínculos também são muito mais fracos”. Segundo ele, “a noção de autoridade e de comunidade vão entrando em xeque também, e isso vai afetar, é claro, a evangelização”. Escuta, diálogo, para uma Igreja comunidade de comunidades Essa individualidade, essa efemeridade, entra em debate com a sinodalidade e uma Igreja de processos, que fala o Papa Francisco. Isso é considerado por Sbardelotto como um grande desafio, dizendo que o modo como o Sínodo está acontecendo “tem um nível comunicativo, comunicacional, que é chave em tudo isso”. Ele se refere à importância da escuta destacada pelo Papa Francisco, e o método proposto da conversa no Espírito, vendo que “a escuta, o diálogo, a conversa, são processos fundamentais para que a gente possa ser uma Igreja que seja efetivamente seja comunidade de comunidades, e não só de núcleos isolados, que quase já não dialogam mais, e esse é um risco”, afirmando que isso está na Igreja em geral e no Brasil, algo que surge “por questões políticas, por questões até culturais, questões que vão entrando na pauta pública, e o catolicismo vai se pulverizando também. E a gente vai percebendo catolicismos, no plural, que não conseguem entrar mais em diálogo”. Atitudes que Sbardelotto considera “um problema grave, um contratestemunho contra a vocação da Igreja que é ser una, como Jesus mesmo reza na Oração Sacerdotal”. Ele pensa que “tem questões que são cruciais hoje para se pensar a sinodalidade, e a comunicação entra aí, com a importância de pensá-la para além da questão midiática. É a comunicação como processo mesmo, que é fundamental para a relação entre os fiéis, as comunidades e também para poder estabelecer o diálogo com o mundo”. O professor insiste em que, “sem essa comunicação, sem a Igreja se voltar, refletir e entender esses processos de comunicação, a ideia de sinodalidade fica muito frágil, muito aérea”. Voltar às fontes Nessa dinâmica da cultura digital, onde os jovens estão muito mais envolvidos, nos deparamos com o medo da Igreja de dialogar com aquele que é diferente, com a diversidade, um medo que não tem o Papa Francisco, e que demanda que a Igreja perca o medo de dialogar de igual para igual com os jovens, com quem pensa diferente, com aqueles que estão afastados da Igreja, com quem não tem religião ou é de outras religiões. Diante dessa realidade, Sbardelotto pensa na necessidade de “voltar às fontes, voltar à pessoa de Jesus. Não tem como pensar essa abertura à diversidade sem levar em conta a própria missão da Igreja, o modo como ela foi chamada a se constituir na pessoa de Jesus, o modo como ele agia com as pessoas”. Sbardelotto considera que “o problema hoje é que a Igreja, por todo o processo histórico que ela tem, o longo período histórico de vida que ela tem, vai trazendo consigo também certas cristalizações, enrijecimentos, em seus métodos, em suas linguagens”. Segundo ele, “a Igreja, de uma experiência de fé com a pessoa de Jesus, acabou se convertendo muito mais numa instituição religiosa. E uma instituição religiosa que vai tentar sempre defender os seus próprios interesses, seus próprios processos, vai precisar se resguardar para manter uma certa identidade clara, tudo isso que vai acontecendo ao longo da história”. Dialogar com as diferenças “Isso vai impedindo a Igreja de poder dialogar com as várias diferenças, por se basear em certos pressupostos, que vão impedir…
Leia mais