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Fórum das Equipes: rede que sustenta esperanças, une nomes e rostos na luta e missão do Regional Norte 1 em defesa dos povos

Fórum das Equipes: rede que sustenta esperanças, une nomes e rostos na luta e missão do Regional Norte 1 em defesa dos povos

Missionários e missionárias das dez equipes que compõem o Regional Norte 1 se (re) encontraram no Fórum das Equipes, idealizado para formação, avaliação, planejamento e fortes abraços

A noite estava escura,
Tão sem um ponto de luz,
Tão noite,
Que cheguei a me angustiar
Apesar do amor profundo
Que sempre tive à noite
Foi quando ela me segredou
Quanto mais noite é a noite
Mais bela costuma ser
A aurora
Que ela carrega no seio!

– Dom Helder Câmera, Escuridão Total

O poema de Dom Helder Câmera, Escuridão Total, apesar do título, foi fonte de inspiração e luz para missionários e missionárias participantes do Fórum das Equipes, realizado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte 1 entre os dias 11 a 15 de julho, no Centro de Formação Xare, em Manaus.

Promovido duas vezes por ano, o Fórum das Equipes é um momento de formação, integração, avaliação, planejamento e partilha dos desafios e conquistas, alegrias e preocupações das dez equipes que compõem o Regional e que atuam com diferentes povos indígenas em diferentes realidades amazônicas dos estados do Amazonas e Roraima. Distantes geograficamente, missionários e missionárias do Norte 1 têm no Fórum das Equipes um encontro de renovação do compromisso e missionariedade na defesa incondicional dos direitos e existência indígenas.

“O Fórum é um momento de formação, integração, avaliação, planejamento e partilhas das dez equipes que compõem o Regional”

A cada encontro trazem suas realidades, compartilham suas experiências e planejam suas ações. Nessa edição do Fórum, os assuntos trazidos para o debate, além das avaliações e planejamentos de ações para o segundo semestre do ano, foram a análise de conjuntura da política nacional e os povos indígenas que, em meio aos contextos e cenários políticos, são afetados pelas estratégias armadas pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; formação em proteção de defensores de direitos humanos por meio da metodologia Proteção Popular, do Projeto Defendendo Vidas e Garantindo Direitos Expropriados, realizado pela articulação coletiva entre a Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos (SMDDH), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH); e capacitação na Plataforma dos Territórios Vivos, organizada pelo Ministério Público Federal (MPF), Rede de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) e Agência de Cooperação Técnica Alemã (GIZ).

Em todos os temas foram detectados sérios desafios enfrentados pela missionariedade. O contexto político no Brasil está mais ameaçador do que nunca para os povos indígenas. Há perseguição, ameaças explícitas e violências cruéis empreendidas contra defensores de direitos humanos no país, e os defensores dos direitos indígenas estão na mira de seus inimigos. As realidades das aldeias trazidas pelas equipes apresentam duros desafios na proteção de seus territórios.

“Fórum trouxe luz no horizonte materializada nos companheiros de caminhada, no reencontro, nos abraços que recarregam as forças, nos sorrisos”

Amparados pelo poema de Dom Helder, missionários e missionárias olham para o momento histórico que o Brasil passa e, à primeira vista, parece não haver saída. Tantos ataques por todos os lados trazem dificuldades em manter as forças e esperanças. Mas, como o poema reflete, “quanto mais noite é a noite, mais bela é a sua aurora”, o Fórum trouxe luz no horizonte materializada nos companheiros de caminhada, no reencontro, nos abraços que recarregam as forças, nos sorrisos, ideias, dificuldades e conquistas compartilhadas, e, principalmente, nas estratégias de ação planejadas em conjunto.

Para o missionário Queops Melo, da equipe Lábrea, “é preciso dizer que o cenário nacional sempre foi desfavorável aos direitos dos povos indígenas e neste momento a situação é bem delicada. E é nesse contexto que [o Fórum] vem para animar as equipes do Regional, fortalecendo sua espiritualidade e mística, seus laços e suas redes”, encoraja Queops.

Almério Waldick, o missionário Kell da equipe do Vale do Javari, também vê a escuridão do momento político, mas sente a força na luta conjunta. “Aqui no Fórum, a gente se atualiza nas políticas indigenistas que perpassam sobre a estrutura do Estado, onde a gente percebe que a política indigenista está sendo sucateada. Mas, também, [no Fórum] é onde a gente se inspira e se fortalece para a caminhada na missão, onde a gente se incorpora na espiritualidade para fortalecer a luta em prol dos povos indígenas”, assegurou

“Aqui no Fórum, a gente se atualiza nas políticas indigenistas que perpassam sobre a estrutura do Estado, onde percebe-se estar sucateada”

O Fórum das Equipes, realizado pelo Cimi Regional Norte 1, ocorreu entre os dias 11 a 15 de julho, no Centro de Formação Xare, em Manaus. Foto: Ligia Apel | Ascom Cimi Regional Norte 1O Fórum das Equipes, realizado pelo Cimi Regional Norte 1, ocorreu entre os dias 11 a 15 de julho, no Centro de Formação Xare, em Manaus. Foto: Ligia Apel | Ascom Cimi Regional Norte 1

No escuro há movimento

Para contribuir com informações atuais e reflexões do que pode ou não afetar os povos indígenas, Luiz Ventura, secretário executivo do Cimi, trouxe a análise de conjuntura e foi contundente ao dizer que “está difícil entender o caminhar das políticas nacionais pelo absurdo que está posto nas estratégias”.

Em meio ao caos, o secretário destaca “a chantagem tarifária de Trump ao Brasil”, a “derrota do governo federal no congresso que derrubou o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), que planejava taxar os super ricos”, o “fim da Mesa de Conciliação que resultou na manutenção da Lei 14.701/2023”, que faz valer o marco temporal e acrescenta outras maldades aos territórios indígenas como a abertura para mineração e agronegócio, e, ainda, o PL da Devastação (Projeto de Lei 2159/2021) que flexibiliza o licenciamento ambiental e representa grave ameaça à Casa Comum, aprovado pelo Congresso na calada da noite.

“Na atual conjuntura está difícil entender o caminhar das políticas nacionais pelo absurdo que está posto nas estratégias”

Essas situações, analisa Ventura, configuram que a “política do absurdo é proposital, é caótico, é orquestrado, organizado e faz parte de um projeto político que, dando o nome aos bois, é de regime fascista. E a natureza do fascismo é destruir. O Brasil se encontra em um projeto fascista que está destruindo as relações institucionais”, interpreta, apontando que “golpes vêm acontecendo há anos, desde a abertura [política] e que esses golpes rompem processos e avanços anteriores”.

No entanto, para Ventura, a chantagem de Trump, a situação do IOF e o PL da Devastação reascenderam na sociedade o poder de mobilização. “Estávamos muito parados. A partir desses últimos acontecimentos, a sociedade volta para as ruas e se mobiliza”, constata retornando a esperança e indicando caminhos para o Cimi seguir firme em sua missão.

“Formação da base, mais do que nunca”, orienta o secretário. “É preciso levar as análises para a base, com todos os elementos” sobre as armadilhas que se armam contra os povos indígenas. É preciso também, retomar o “poder de mobilização política com o foco da inconstitucionalidade. Dizer ao governo que não deu certo o que fizeram [na Mesa de Conciliação] e é preciso, também, desvendar as PECs [Proposta de Emenda à Constituição], revelando suas intenções e perigos”, concluiu.

“É preciso levar as análises para a base, com todos os elementos sobre as armadilhas que se armam contra os povos indígenas”

O Fórum das Equipes, realizado pelo Cimi Regional Norte 1, ocorreu entre os dias 11 a 15 de julho, no Centro de Formação Xare, em Manaus. Foto: Ligia Apel | Ascom Cimi Regional Norte 1O Fórum das Equipes, realizado pelo Cimi Regional Norte 1, ocorreu entre os dias 11 a 15 de julho, no Centro de Formação Xare, em Manaus. Foto: Ligia Apel | Ascom Cimi Regional Norte 1

Defendendo Vidas

“Durante dois dias mergulhamos na Formação sobre Proteção de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, guiados pela metodologia da Proteção Popular do Projeto Defendendo Vidas. Nesse espaço, redescobrimos que ‘cuidar de quem cuida’ não é um luxo, mas uma exigência do Evangelho e do compromisso missionário na Amazônia”.

Essa foi a perspectiva visualizada por Padre José Federico Castillo, Pe. Pepe, sobre a oficina de formação sobre proteção de defensores de direitos humanos através da metodologia “Proteção Popular”, conduzida pelo assessor Paulo César Moreira Santos, do projeto Defendendo Vidas e Garantindo Direitos Expropriados.

“Redescobrimos que ‘cuidar de quem cuida’ não é um luxo, mas uma exigência do Evangelho e do compromisso missionário na Amazônia”

Paulo explica que a metodologia “Proteção Popular” vem de uma prática de vida milenar, pois os diferentes agrupamentos humanos sempre viveram, e continuam vivendo, em constantes conflitos. Historicamente, os povos tradicionais enfrentam conflitos e resistem às ameaças a sua existência.

“No Brasil, a gente vive em conflito há mais de 500 anos. Os povos tradicionais, indígenas, quilombolas, povos do campo e das periferias, não sabem o que é viver sem conflito. O conflito para elas é algo do cotidiano. Essas populações persistem, resistem até hoje, porque elas enfrentaram tudo isso todo dia, enfrentam seus inimigos, os senhores na história e, hoje, são as grandes empresas que poluem, que devastam, perseguem, o próprio Estado, também, quando ele é um agente promotor de violência”, relata.

“Os povos tradicionais, indígenas, quilombolas, povos do campo e das periferias, não sabem o que é viver sem conflito”

O Fórum das Equipes, realizado pelo Cimi Regional Norte 1, ocorreu entre os dias 11 a 15 de julho, no Centro de Formação Xare, em Manaus. Foto: Ligia Apel | Ascom Cimi Regional Norte 1O Fórum das Equipes, realizado pelo Cimi Regional Norte 1, ocorreu entre os dias 11 a 15 de julho, no Centro de Formação Xare, em Manaus. Foto: Ligia Apel | Ascom Cimi Regional Norte 1

Assim, a metodologia da Proteção Popular tem a base nessa força, nessa sabedoria. “Essas populações resistem até hoje e, portanto, possuem autoproteção já inata no ser humano, na vida e na sua trajetória de luta. A Proteção Popular é justamente a sabedoria dos povos, dos movimentos sociais, porque ‘o popular’ é justamente ‘o popular a partir deles’, e a proteção são as suas estratégias, diversas e eficazes”.

O projeto Defendendo Vidas e Garantindo Direitos Expropriados entende que essas ações de proteção podem ser “compartilhadas e realizadas coletivamente, onde uma organização pode contribuir com a proteção de outras”, explica o assessor, observando que ninguém melhor que os indígenas para ensinar a resistência em lutas extremamente violentas.

“Demarcação dos territórios, preservação da natureza, questões de fundamental importância para a preservação do planeta”

“Demarcação dos territórios, preservação da natureza, questões de fundamental importância para a preservação do planeta. Se eles estão vivos até hoje é porque se protegem, é porque tem estratégia de proteção. E é a luta que a gente acredita que pode realmente mudar o Brasil”, conclui.

Com essas reflexões e, ainda, na dimensão dos cuidados individuais, psicológicos e emocionais que afetam a fragilidade da vida, Pe. Pepe analisou que a oficina ofereceu luzes para perceber os riscos que os missionários enfrentam, mas também para fortalecer a caminhada coletiva e individual em todos os seus aspectos. “Aprendemos a mapear riscos, fortalecer redes de apoio e, sobretudo, cultivar práticas de autocuidado físico, psicológico e espiritual que nos mantém firmes na defesa da vida e dos territórios”, assegurou.

“Aprendemos a mapear riscos, fortalecer redes de apoio e, sobretudo, cultivar práticas de autocuidado físico, psicológico e espiritual”

O Fórum das Equipes, realizado pelo Cimi Regional Norte 1, ocorreu entre os dias 11 a 15 de julho, no Centro de Formação Xare, em Manaus. Foto: Ligia Apel | Ascom Cimi Regional Norte 1O Fórum das Equipes, realizado pelo Cimi Regional Norte 1, ocorreu entre os dias 11 a 15 de julho, no Centro de Formação Xare, em Manaus. Foto: Ligia Apel | Ascom Cimi Regional Norte 1

Territórios continuam vivos

“Espaço de ser, viver e reviver” é a definição de território de Maria de Jesus Bringelo, dona Dijé, quebradeira de coco babaçu do quilombo Monte alegre, no Maranhão, e que define também, os objetivos da Plataforma de Territórios Tradicionais do MPF, PCTs e GIZ.

Esse foi o tema da segunda oficina de formação do Fórum das Equipes, que permitiu conhecer e navegar pelo site da Plataforma e, assim, ter mais elementos para contribuir com os povos indígenas na análise dos registros de seus territórios.

“Os territórios tradicionais são espaço de ser, viver e reviver”

Idealizada para contribuir com a visibilidade e melhor apoio aos territórios, a Plataforma é uma ferramenta digital construída pelos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) do Brasil para fortalecer suas lutas por direitos. Ela “reúne e sistematiza informações georreferenciadas sobre territórios tradicionais: informações cartográficas, relatos, histórias, demandas, potencialidades e conflitos, reunidos na base de dados dão visibilidade e conhecimento sobre territórios tradicionais do país”, define a plataforma.

Para Eduardo Ganzer, assessor técnico da GIZ, a iniciativa de se criar um espaço onde seja possível visualizar os territórios tradicionais e todos os seus contextos, é uma importante contribuição para o MPF defende-los com mais propriedade e agilidade, bem como para a criação de políticas públicas específicas.

“A dificuldade hoje é termos algo institucionalizado no governo federal para o reconhecimento desses territórios de forma rápida, ágil”

“A plataforma é importante não só para o Ministério Público ter informação para a defesa dos territórios, mas também para servir no desenvolvimento de políticas públicas. Ser uma referência no processo de tomada de decisão para as políticas públicas, para um público específico, que são as comunidades tradicionais. A dificuldade hoje é termos algo institucionalizado no governo federal para o reconhecimento desses territórios de forma rápida, ágil. A plataforma contribui com isso, pois lhes dão visibilidade”, explica Ganzer, reforçando a legitimidade das informações registradas pelas próprias comunidades e lideranças.

Contudo, a plataforma também “contribui para prevenir ou mitigar violações a direitos humanos e cria uma base cartográfica capaz de identificar estágios de reconhecimento de territórios tradicionais”, conclui o assessor.

Para Pe. Pepe, é uma ferramenta que auxilia na visibilidade e nas denúncias de violações de direitos. “Ela nos fez ver a potência de uma ferramenta pensada para dar visibilidade às lutas dos povos e denunciar violações de forma colaborativa e segura. Saímos convencidos de que o uso criterioso dessa plataforma amplia as vozes dos indígenas e protege quem insiste em sonhar com a Amazônia viva”, afirma.

“A plataforma nos fez ver a potência de uma ferramenta pensada para dar visibilidade às lutas dos povos e denunciar violações de forma colaborativa e segura”

O Fórum das Equipes, realizado pelo Cimi Regional Norte 1, ocorreu entre os dias 11 a 15 de julho, no Centro de Formação Xare, em Manaus. Foto: Ligia Apel | Ascom Cimi Regional Norte 1O Fórum das Equipes, realizado pelo Cimi Regional Norte 1, ocorreu entre os dias 11 a 15 de julho, no Centro de Formação Xare, em Manaus. Foto: Ligia Apel | Ascom Cimi Regional Norte 1

Um Fórum que revigora

Revigorar é a tônica dos Fóruns das Equipes realizados pelo Cimi Regional Norte 1. Duas vezes por ano, fevereiro e julho, as equipes se reúnem, se abraçam, compartilham problemas, desafios, alegrias e conquistas. Avaliam, planejam, deliberam, decidem. Convivem e se revigoram em uma sinergia que fortalece a missão e garante o seguir em frente. Assim define Gilmara Fernandes, integrante da coordenação colegiada do Cimi Regional Norte 1.

“Primeiro é um momento de encontro e reencontro, de socialização, convivência e de vivência das equipes. Nos encontramos apenas duas vezes por ano, em fevereiro e julho, e aí nos dedicamos para a formação interna, partilha dos desafios e vitórias, planejamento, algumas deliberações, convivência, estudos da conjuntura maior, mas também é um momento de aconchego, de espiritualidade e pensar para frente as estratégias da missionariedade em todas as suas nuances”, explicou a coordenadora, que acolheu os três novos integrantes das equipes: Charles de Andrade Siqueira e Telma Pereira Rodrigues de Souza, na equipe Javari; e Kauê Nascimento de Melo, na equipe Lábrea.

“Voltamos para nossas frentes de missão com a certeza de que não estamos sós”

Assim como na acolhida dos três novos missionários, o coração do Cimi Regional Norte 1 bateu forte no momento do envio de Pe. Urbano Müller, missionário da equipe Javari que estende, a partir desse ano, sua missão para o Regional Acre. Com agradecimentos por sua missionariedade intensa e incansável, o Fórum das Equipes enviou Pe. Urbano ao seu novo destino para a missão.

Para Pe. Pepe, as esperanças e forças renovadas nos dias que as equipes do Regional Norte 1 passaram juntas continuam se renovando no caminhar juntas.

“Voltamos para nossas frentes de missão com a certeza de que não estamos sós. Há uma rede firme que nos sustenta; há nomes e rostos que agora fazem eco quando a luta aperta. Que este Fórum reacenda em nós a chama da esperança e fortaleça nossas pernas cansadas. Continuemos, unidos e solidários, defendendo vidas e territórios, certos de que o Espírito soprou entre nós e seguirá soprando enquanto caminharmos juntos”, abençoou.

Fonte: CIMI

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