No
7º Domingo do Tempo Comum, o arcebispo de Manaus, cardeal Leonardo Ulrich
Steiner inciou sua homilia dizendo que “o Evangelho proclamado, quase nos
importuna com o seu ensinamento: amar os inimigos, bendizer os que nos
amaldiçoam, rezar pelos que nos caluniam, oferecer a face a quem nos bate, a
quem leva o manto deixar também a túnica, dar sem esperar uma troca, uma
recompensa; estarmos na dinâmica de fazermos somente o bem. É um convite de
estarmos na receptividade de filhos e filhas do Altíssimo, porque Deus é
bondoso também para com os ingratos e maus.”
Segundo
o arcebispo, “Deus não faz acepção de pessoas, não rejeita a nenhum de seus
filhos e filhas, mesmo que sejam ingratos e maus. Está sempre na disposição e na
disponibilidade da receptividade do pai que recebe o filho mais novo que volta
para casa. Para Deus não existem inimigos, maus, ingratos, mas filhas e filhos.
Se soubéssemos como somos amados, certamente viveríamos na gratidão, na
honestidade, na solidariedade, com generosidade, na misericórdia.”
Diante
disso, “Jesus a nos indicar o modo do agir do Pai Celeste e nele expressar o
que somos na profundidade de nós mesmos: semelhantes a Deus no cuidado e no
amor. E por vivermos no esquecimento dessa nossa dignidade de seguidores do
Filho amado e vivermos na sonolência dessa grandeza, Ele nos indica o caminho do
amar os inimigos. Amar os inimigos com um transbordamento, como uma medida
desmedida onde somos irmãos e irmãs em Jesus. A desmedida, uma medida
transbordante colocado em nosso colo, concedido à nossa existência”, ressaltou.
Segundo
o cardeal Steiner, “a palavra do Evangelho nos propõe um modo de vida, um modo
existencial. Um modo que vai contra todas as nossas compreensões, contra as
nossas vontades, objetivos, afirmações, realizações. O contrário do nosso modo
de tirar satisfação, de não queremos passar por idiotas, de não sermos
humilhados na nossa dignidade. O modo que Jesus nos indica, oferece, é o do
amor e da liberdade: amar os inimigos; bendizer os que nos amaldiçoam; rezar
pelos que nos caluniam; oferecer a face a quem nos bate; a quem leva o manto
deixar também a túnica; dar sem esperar em troca; fazer o bem sem recompensa.
Uma mudança completa no nosso estilo de vida, do horizonte de leitura das nossas
interpretações e ações, da nossa relação com tudo e com todos.”
“Um
ensinamento de que ‘Deus é bondoso também para com os ingratos e maus’. A
bondade para com todos indistintamente nos leva à misericórdia. Mas a
misericórdia: ‘Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso’. No
perdão não existem inimigos, no perdão se encontram irmãos, irmãos. No perdão,
na misericórdia se volta à familiaridade, onde reina a harmonia e
solidariedade. A misericórdia que possibilita a familiariedade, até as notas
dissonantes tem harmonia, pois uma mesma pertença que não é consaguinidade. Na misericórdia, no amor se encontra uma
medida, isto é, um modo de relação: ‘Dai e vos será dado. Uma boa medida,
calcada sacudida, transbordante será colocada no vosso colo; porque com a mesma
medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos’”, disse o arcebispo
de Manaus.
“Uma
medida calcada, sacudida, transbordante! Na medida sacudida, calcada não
encontramos falta de alguma coisa; não indicamos uma carência, uma falta, um
sacrifício. Na medida sacudida e calcada não se percebe nada que conote não
querer sentir dor, sofrimento”, lembrou. E por isso ele questionou: “Nada na
medida sacudida e calcada soa como: para que serve tanto serviço? para que
tanta dedicação? que sentido tem trabalhar tanto? para que tudo isso se no
final fica tudo como está?”
Nessa
perspectiva, o cardeal sublinhou que “tudo é apenas transbordamento, entrega! Uma
verdadeira desmedida, pois sem peso, sem medida. Tem o seu peso, na suavidade
de quem é por ela carregado; sem medida, pois transborda de amor e afeto e
misericórdia. Como a mãe no cuidado do recém-nascido: toda atenção, toda
cuidados, toda ouvidos, toda feita mãe; sem extremismos, sem medos, sem
afobações; esquecida de si, sem cuidados para si, sempre toda inteira no
cuidado com a graça da vida recebida. Ela transborda na sua maternidade, pois
nada é demais, nada deixa de ter sentido, tudo vale, pertence à grandeza de sua
maternidade. Mas transbordamento da maternidade quer dizer: em tudo fazendo nem
sequer se lembrar da generosidade, da liberdade, do esquecimento de si mesma.
Ela transborda: é mãe!”
Talvez,
nos ajude a palavra de um pensador da Igreja, disse citando o Mestre Eckhart: “Quer
dizer que o amor com que amamos deve ser de tal sorte tão puro, nu e livre de
não se dirigir nem a mim mesmo, nem ao meu amigo, nem sobre alguma coisa
próxima. Os mestres dizem que não se poderia chamar boa nenhuma obra humana,
nem virtude nenhuma, se não realizada no amor. A virtude é de tal sorte nobre e
livre, tão pura e nua em si mesma que não conhece nada melhor de si e de Deus.
A um homem perguntado porque ama a bondade, responderia ‘pela bondade mesma’, e
à pergunta porque ama a Deus, diria ‘por Deus mesmo’”.
“Quando
estamos na ação do amor, da bondade, não tem dentro e fora, antes e depois,
somos somente ação de bondade, de amor sem perguntas de para que, porque, pelo
sentido. Estamos tão dentro da ação que nem sequer temos tempo para perguntas e
muito menos para respostas. Estamos ali apenas, unicamente, exclusivamente,
inteiramente, amando, sendo bons, doando. É transbordamento! Amando, em sendo
bons, não sobra tempo para fazer a distinção entre inimigo ou amigo”, lembrou.
Segundo
o arcebispo de Manaus, “quem está na bondade, é todo bondade, é somente bondade;
bendiz não consegue amaldiçoar; reza não vê a calúnia; oferece a outra face.
Quem ama, está no amor, é tomado pelo amor, é somente amor, a quem leva o manto
entrega também a túnica; dá sem esperar em troca; faz o bem sem saber a quem;
ama e não importa a quem. Quem assim está todo inteiro, por completo, na
plenitude de ação, não está dividido, transborda. Então, não podemos “chamar
boa nenhuma obra humana, se não realizada no amor”. E quando realizada no amor
é de tal sorte nobre e livre, tão pura e nua, isto é, transparente, límpido, em
si mesma que não conhece nada melhor de si e de Deus. Todo aquele, toda aquela,
que transborda de amor, de generosidade, transborda na pureza, liberdade,
jovialidade!”
Ele
explicou isso com o que diz São Paulo na carta aos Coríntios: “O primeiro homem, Adão, ‘foi um ser vivo’.
O segundo Adão é um espírito vivificante. Veio primeiro não o homem espiritual,
mas o homem natural; depois é que veio o homem espiritual. ‘O primeiro homem
tirado da terra, é terrestre; o segundo homem vem do céu. Como foi o homem
terrestre assim também são as pessoas terrestres; e como é o homem celeste,
assim também vão ser as pessoas celestes. E como já refletimos a imagem do
homem terrestre, assim também repetiremos a imagem do homem celeste’ (1Cor
15,45-49).
É
por isso que “quando São Paulo fala do primeiro Adão, o ser vivo, o homem
natural, aquele tirado da terra, o terrestre, não está indicando a nossa vida
cristã vivida de modo tacanho, fechado, escravizado, na penumbra, escondido da
luz, do espírito vivente? Poderíamos dizer: não generosidade, não liberdade,
sem amor, a medida pequena de nós mesmos. Aquela medida de estarmos na vida
dividindo entre maus e bons, dar para receber, de em tudo troca, lucrar, de dar
o manto, para receber duas túnicas, de amaldiçoar os que já vivem nas sombras
da morte, de não apaziguarmos o nosso interior com o perdão, de vivermos apenas
para receber. Seria uma vida sem graça, nem beleza; uma vida desgraçada!”,
disse o cardeal Steiner.
“Paulo
nos oferece para o seguimento de Jesus, o segundo Adão: um espírito vivificante,
o homem espiritual, homem vindo do céu. O espírito vivificante que gera a
liberdade, a plenitude, o não-saber da medida: plenitude de participação. O
espírito vivificante que é transbordante, isto é, generoso, alegre, disposto,
ex-posto, liberdade, despretensão, generosidade, amor. Tão extraordinário amor,
que não se sabe amante. Não seria essa dinâmica do ser cristão: medida calcada,
sacudida, transbordante? Não estaria lançando luz para a livre doação, a pura
bondade, o amor límpido e transparente”, afirmou.
Diante
disso, ele questionou: “Não estaria São Paulo expressando o que temos em comum
com Deus e, por isso, participantes da sua imensa e estupenda bondade que cuida
também dos maus e ingratos. E nessa participação termos algo do sem medida, da
largueza e da profundidade da doação, do cuidado de Deus para com cada um de
suas filhos e filhos?”
Uma
reflexão que levou o cardeal a fazer um pedido: “Amemos! Amemos sempre a todos,
não temos inimigos, se Deus é nosso Pai, Jesus nosso irmão e o Espírito Santo
nosso vivificador! Aos que odeiam, ofereçam o amor; aos que amaldiçoam, peçamos
que Deus abençoe; aos que fazem o mal, façamos o bem, somente o bem; aos que
caluniam, rezemos; aos que se dizem inimigos, imploremos ao Pai do céu que
cuide deles e os tenhamos como irmãos. Deixemos
nascer em nós o desejo de fazer o bem, de amar aqueles que não receberam amor e,
por isso, não vivem e não conseguem amar.”
Ele
sublinhou: “Deus colocou em nosso coração, uma medida transbordante. Nos gerou
para transbordar. Deixemo-nos tomar do
espírito vivificante e nos tornemos celestes; transbordantes!” E depois questionou:
“Não seria nossa felicidade, alegria, realização, plenificação, sermos como
crianças que brincam junto à fonte sem medida de Deus?”. Para finalmente pedir
que “Ele nos conceda a graça de sermos, assim como Ele, apenas transbordamento
de amor.”