Um dos grandes legados deixados por Francisco é a promoção da sinodalidade, que “não é uma invenção dele, mas faz parte do que a Igreja é em si mesma”. Essa é a opinião do subsecretário da Secretaria Geral do Sínodo, Dom Luis Marín de San Martín, que se diz otimista, ressaltando que “a sinodalidade é irreversível e marcará o futuro da Igreja”.
Ele destaca a “abertura ao Espírito” do último Papa como uma herança muito profunda. Com relação ao próximo pontífice, espera que se esforce pela paz, que se comprometa com a vida e sua dignidade e que promova a cultura cristã, em diálogo com o mundo. Para o Papa que será eleito no Conclave que começa em 7 de maio, ele pede “nosso apoio e fidelidade, seja ele quem for”.
Poucos dias após a morte do Papa Francisco, a atmosfera é de pré-conclave e expectativa de outro Papa. Para alguém que trabalhou em um dos elementos fundamentais do pontificado de Francisco, especialmente nos últimos anos, como a sinodalidade, apesar da morte do Papa da sinodalidade, podemos dizer que a sinodalidade ainda está tão viva quanto antes?
O Papa Francisco promoveu resolutamente a sinodalidade porque ela é uma dimensão constitutiva da Igreja. Isso é atestado pela Sagrada Escritura, pela eclesiologia, pela patrística, pela história e pelo direito canônico. A sinodalidade está viva e nunca poderá morrer, porque não é uma invenção de Francisco, mas faz parte do que a Igreja é em si mesma. Nosso compromisso é ajudar a torná-la um modo de vida em toda a Igreja e em tudo o que é Igreja. Acredito sinceramente que esse é um compromisso com a coerência como cristãos.

O próximo Papa será, de alguma forma, obrigado a continuar nessa linha de sinodalidade?
A Igreja não retrocede no tempo, ela sempre vai para frente, vive no presente e olha para o futuro; voltar ao passado é impossível. Pretender fazer isso só gera frustração e melancolia. O próximo papa, é claro, continuará a desenvolver a linha eclesiológica do Concílio Vaticano II, da qual a sinodalidade é um fruto maduro. No entanto, há espaço para nuances, estilos, acentos e prioridades. Mas sou muito otimista, a sinodalidade é irreversível e marcará o futuro da Igreja.
Não devemos esperar um Francisco II, mas que elementos de seu pontificado o próximo pontífice deve ter em mente?
Cada papa é diferente. Ele não é e não pode ser uma fotocópia do anterior. Cada um tem sua própria personalidade, sua própria maneira de ver a vida, suas próprias características, sua cultura e formação; cada pessoa é diferente. Entretanto, se considerarmos os papas dos últimos séculos, veremos que eles têm duas características em comum. Em primeiro lugar, a união com Cristo e a disponibilidade para o Espírito. E, em segundo lugar, o amor pela Igreja e o serviço ao povo de Deus.
O Papa Francisco deixa um legado muito profundo. Eu destacaria, acima de tudo, sua abertura ao Espírito. Isso o tornou um homem muito livre. Gostaria que o próximo Papa continuasse essa linha de abertura, de liberdade. De parresia evangélica.
Ele também foi um Papa muito humano, muito solidário com os homens e mulheres de nosso tempo. Embora fosse um homem de caráter forte e personalidade marcante, encontramos nele um pai que nos acolheu, abraçou, ajudou e caminhou conosco. Ele também foi um Papa que se fez entender, que se conectou com pessoas simples. Aquelas frases concretas e lapidares que ele usou, tão bonitas, tocaram o coração e ficaram com ele. O próximo Papa terá de levar em conta essa herança. Com seu próprio estilo, ele ajudará todos nós, que formamos o povo de Deus, a continuar caminhando com passo firme, com esperança e com o maior entusiasmo possível nos tempos em que vivemos.

E dada a situação que o mundo e a Igreja estão atravessando, quais são as principais questões urgentes que o próximo Papa deve enfrentar?
Com relação ao mundo, a primeira coisa é o compromisso com a paz. É terrível que, mesmo depois de tantos conflitos devastadores no século XX, ainda estejamos comprometidos com a guerra, a força e a destruição. Essa é uma das maiores urgências que temos hoje: a luta pela paz. Para isso, os cristãos devem ser a voz daqueles que não têm voz. E devemos denunciar as injustiças que são tanto a causa quanto a consequência dessas situações.
Também temos um compromisso com a vida e sua dignidade, desde o primeiro momento até o último. A Igreja deve oferecer uma alternativa válida, crível e concreta à cultura da morte, que está avançando.
E, em terceiro lugar, eu gostaria que a Igreja continuasse a gerar cultura cristã, em diálogo com o mundo. Sem se fechar de forma autista em suas seguranças ou se deixar levar pela tentação das trincheiras. É necessário saber ler os sinais de nosso tempo. Às vezes a mensagem não passa porque usamos uma linguagem que não é mais compreendida, estamos ausentes, vivemos ancorados em um mundo que não existe mais. Precisamos repensar nossa presença tanto na mídia quanto nos fóruns culturais.
Francisco plantou muitas sementes durante seu pontificado, quais são os frutos que foram colhidos e os que ainda estão por vir?
O fruto será, obviamente, a forte vivência da fé cristã e seu testemunho. Ou seja, o encontro experiencial com Cristo e o desafio de comunicá-lo na missão evangelizadora.
As sementes da participação foram lançadas, da corresponsabilidade diferenciada que brota do batismo. Devemos continuar a progredir nesse sentido. Fazemos parte da Igreja, não somos espectadores, mas membros, do corpo de Cristo. Sempre sabendo que toda responsabilidade na Igreja é serviço. Nessa linha, devemos continuar a desenvolver a colegialidade episcopal, a descentralização e, ao mesmo tempo, a comunhão e a troca de dons entre as Igrejas.
Outra semente é a da unidade pluriforme, a integração da unidade e da pluralidade na Igreja. Primeira unidade (de fé, de sacramentos, de hierarquia). Disso resulta tanto a pluralidade de vocações, carismas e ministérios (superando o clericalismo) quanto a consideração de uma grande variedade de contextos geográficos e culturais nos quais a fé é vivida e expressa. Dada a unidade, pode haver diversas expressões e desenvolvimentos.
Por fim, há a semente da missão. Todos nós somos chamados a evangelizar, a testemunhar até os confins da terra. E para fazer isso juntos, inter-relacionados. A Igreja movida pelo Espírito é a Igreja viva, dinâmica, aberta, criativa; a Igreja que sai, proclama, dá testemunho; a Igreja que é Cristo no meio do mundo. E que sabe como fazer com que sua voz seja ouvida.
O senhor fala de serviço e missão, de evangelização. Poderíamos dizer que, em boa parte dos cardeais nomeados por Francisco, mais de 100, essas características foram algo que apareceu nessas nomeações. Será que isso poderia influenciar o Conclave e eleger um Papa servidor, missionário, evangelizador?
Todos os cristãos e, portanto, todos os bispos e cardeais, devem ter essas características: ser servos, missionários e testemunhas do Cristo ressuscitado. Todos nós. O Papa também. Francisco fez escolhas muito claras pelas periferias e deu a elas uma presença e uma voz. Ao procurar e discernir quem será o próximo Papa, os cardeais eleitores levarão em conta essa dimensão universal e inclusiva, com uma visão ampla: trata-se de pensar grande e olhar para o alto e para longe, como dizia São João XXIII.

Pelo seu conhecimento da Cúria, o senhor espera um longo conclave, espera algumas surpresas. Como o senhor prevê o próximo conclave?
Não sou um augúrio nem um adivinho. Entendo a tentação de especular, mas não vou cair nessa. Direi apenas que, pessoalmente, não espero um conclave excessivamente longo. Sobre a eleição do Papa, acho interessante lembrar duas coisas. A primeira é que, ao contrário do que muitos têm repetido, o Papa não é escolhido pelo Espírito Santo, mas pelos cardeais eleitores. Às vezes, podemos cair em um tipo de providencialismo absurdo. O Papa é eleito por seres humanos. O Espírito Santo é invocado. O que os cardeais têm de fazer é estar abertos ao Espírito Santo, discernir qual é a vontade de Deus e não bloqueá-la, mas ser um canal para ela. Daí a importância da oração: a oração dos cardeais eleitores e a nossa oração para ajudá-los.
A segunda coisa que eu gostaria de enfatizar, diante de uma certa confusão sobre a eleição do sucessor de Pedro ou do sucessor de Francisco, é que não se trata de uma escolha exclusiva. Certamente é o bispo de Roma, o sucessor de Pedro, que assume a missão de Pedro: ser a rocha sobre a qual Cristo constrói a Igreja, o fundamento de sua unidade. Isso deve estar claro, com todas as suas consequências.
Mas o sucessor de Francisco também é eleito, aquele que vem depois dele em seu cargo ou função, em continuidade com toda a linha de Papas que o sucederam. Não podemos voltar ao primeiro século, não é o sucessor direto de Pedro que é eleito, não estamos voltando ao tempo de Nero, ao mundo passado. Um papa é eleito para governar e guiar a Igreja em 2025, olhando para o futuro. Em outras palavras, devemos levar em conta o contexto histórico, a nossa realidade.
Os cardeais, portanto, elegerão o sucessor de Francisco como o sucessor de Pedro. Um Papa para o nosso tempo, para os nossos dias; um Papa que, com e a partir de sua fragilidade, dará testemunho do Cristo Ressuscitado e será o fundamento da unidade da Igreja. Um bom pastor que prioriza a busca dos perdidos e desorientados, curando os feridos e comunicando a alegria do Evangelho a todos. Um Papa que, dócil ao Espírito Santo, assumirá riscos e será uma voz para os que não têm voz. Um papa que assumirá a tarefa de promover a reforma da Igreja em todas as suas áreas, para que ela seja cada vez mais como o Senhor quis que fosse.
Convido todos nós a garantir ao novo Papa, a partir de agora e quem quer que ele seja, nosso apoio e fidelidade.