A Campanha da
Fraternidade, que ao longo da Quaresma acompanha a vida da Igreja do Brasil
desde o início da década de 1960, tem neste ano um caráter ecumênico, algo que
começou no ano 2000 e que “representa uma das experiências mais valiosas de missão
evangelizadora em nosso país”, segundo a pastora luterana Romi Márcia Bencke,
Secretária-Geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC.
Por ocasião da
Campanha da Fraternidade, o Papa Francisco enviou uma mensagem ao povo
brasileiro. O Papa definiu a Quaresma como “um tempo de intensa reflexão e
revisão de nossas vidas“, um convite a caminhar com o Senhor Jesus, que
“faz-se
peregrino conosco também nestes tempos de pandemia“, a rezar pelos que
morreram, a bendizer pelos profissionais de saúde e estimular a solidariedade, “a
cuidarmos de
nós mesmos, de nossa saúde, e a nos preocuparmos uns pelos outros“.
Nas suas palavras, adverte que iremos superar a pandemia, “à medida em que
formos capazes de superar as divisões e nos unirmos em torno da vida“.
O Papa Francisco
vê a Campanha da Fraternidade como um convite “para ‘sentar-se a escutar o
outro’ e,
assim, superar os obstáculos de um mundo que é muitas vezes ‘um mundo
surdo’“. A mensagem apela à promoção de uma cultura de diálogo, lembrando
que “são
os cristãos os primeiros a ter que dar exemplo, começando pela prática do
diálogo ecumênico“. De fato, insiste que “a fecundidade do nosso testemunho
dependerá também de nossa capacidade de dialogar, encontrar pontos de união e
os traduzir em ações em favor da vida, de modo especial, a vida dos mais
vulneráveis“.
Estamos ante um
chamado a afirmar que “a fraternidade e o diálogo são compromissos de amor,
porque Cristo fez uma unidade daquilo que era dividido”, como recolhe o hino da
campanha. A Campanha da Fraternidade Ecuménica de 2021 é um desafio “para o
diálogo e a construção de pontes de amor e paz em lugar dos muros de ódio”,
mostrando que é possível “viver em comunhão”, superando “as polarizações e violências
através do diálogo amoroso”, o que é expressado nos objetivos da campanha.
A Campanha, que foi
organizada quase que inteiramente on-line, ela faz a proposta de conversão ao
diálogo e ao compromisso de amor, afirmando que “a conversão é um processo
permanente e diário”, que nos leva a “repensarmos cotidianamente nossa forma de
estar no mundo”. Daí nasce “a possibilidade de novas formas de relações humanas
e sociais”, de assumir “um jejum que agrada a Deus e que conduz à superação de
todas as formas de intolerância, racismo, violências e preconceitos”.
El Texto Base da
Campanha tem como elo a história dos discípulos de Emaús, fazendo um chamado a
refletir a partir de quatro paradas: ver, julgar, agir e celebrar, uma metodologia
que acompanha a vida da Igreja latino-americana nas últimas décadas.
A pandemia da
Covid-19 e suas consequências é o ponto de partida do ver, afirmando que, no
Brasil, onde tem morrido um 10% das vítimas mundiais, “a pandemia dilacerou
famílias e deixou espaços vazios na cultura nacional”. O texto reflete sobre “a
incerteza, a insegurança, o descaso político para com as pessoas, a
desestruturação repentina de nosso modo de vida”, provocando sensação de medo e
impotência. Também aparecem relatos sobre diferentes reações diante da pandemia
nas igrejas.
A reflexão em
torno da Campanha, denuncia que “no Brasil, a pandemia escancarou as
desigualdades e a estratificação racial, econômica e social”, refletindo sobre
a resistência ao isolamento, o negacionismo, a volta da fome, a continuação da
violência policial, doméstica e do racismo. Também aparece a análise das tensões
e conflitos, das reformas, do aumento do desemprego, da pobreza, das
desigualdades os das notícias falsas nos últimos anos. O Brasil se tornou uma
sociedade cheia de muros, com muitas crises que afetam a todos, também àqueles
que fazem parte das Igrejas.
Diante disso, a
Campanha chama a interpretar a realidade, em uma sociedade onde “ainda
permanecem as estruturas racistas e excludentes”, que beneficia os poderosos e
ignora as políticas públicas. Isso gera insatisfação, que se transforma em ódio
contra o diferente, relações injustas, destruição da Casa Comum, novas cruzes
que não são respostas para a paz, “necropolítica”, onde o Estado se julga
soberano para escolher quem morre e quem vive. Isso é algo que se faz presente
de diferentes modos no Brasil, através da violência, que nunca será a saída, e
de leis que acabam com direitos históricos conquistados.
A reflexão sobre a
catástrofe ambiental, uma realidade muito presente no Brasil, que atinge
especialmente os povos tradicionais, grandemente afetados pela pandemia da
Covid-19, também está presente na Campanha da Fraternidade de 2021. O Texto
Base denuncia que “a violência contra a terra e os povos originários é, muitas
vezes, legitimada por um discurso religioso reativo”, que manipula a religião.
Também é colocada a reflexão sobre o racismo contra negros e indígenas, que se
traduz em intolerância religiosa, algo que tem uma raiz histórica e que se
perpetua, criando muros que demandam “rever a forma como vivemos a nossa fé”.
A segunda parada, identificada
com o julgar, faz uma análise desde a perspectiva bíblica. O texto afirma que “a
fé é diretriz de conduta, tanto para o bem quanto para o mal”. Nesse sentido, as
origens do cristianismo nos mostram que “a opção pelo Evangelho trazia consigo
a busca pela compreensão mútua e um processo de conversão”, algo recolhido nas cartas
paulinas. Isso levava a derrubar “o muro da separação” e construir “um mundo de
comunhão na gratuidade do amor de Deus, que acolhe e perdoa”. Eram comunidades
diversas, mas que procuravam a unidade, a partir da fé em Jesus Cristo, “vínculo
que une a comunidade e garante que experimentemos os sinais do Reino de Deus”.
Isso é recolhido
no lema da Campanha da Fraternidade Ecuménica de 2021: “Cristo é a nossa paz:
do que era dividido fez uma unidade”. O apóstolo Paulo faz um testemunho conciliador
e promotor da unidade na diversidade, que não é razão para conflitos. Tudo em vista
da paz, que para a cultura hebraica, “é sinônimo de vida plena”, sinal do Reino
de Deus, algo que as comunidades indígenas chamam de “bem viver”. Uma Igreja
que nasce “da graça misericordiosa de Deus revelada em Cristo”, imagem do
Evangelho da graça e da misericórdia, que “revela-se como a força de Deus, que
derruba os muros do preconceito que separam”.
A paz “é um tema
genuinamente bíblico”, uma paz que “brota da fé em Cristo” e provoca “a
superação da inimizade e do ódio”, permitindo “cuidar e reconstruir a
convivência social”. Frente a isso, a Campanha nos faz ver que o orgulho
religioso, que é contrário ao Evangelho, levanta muros, derrubados por Cristo, que
constrói uma nova humanidade, “animada e alicerçada no amor, na graça de Deus e
na unidade que se realiza pelo Espírito Santo”. Daí surge a maturidade cristã,
que “respeita e acolhe a diversidade e só alcança a plenitude mediante a
cooperação mútua”.
No agir, a
terceira parada, seguindo o caminho dos discípulos de Emaús, surge o
compromisso de derrubar “os muros das divisões”, algo concretizado em boas
práticas ecumênicas. O texto mostra alguns exemplos, como a Semana de Oração
pela Unidade Cristã, a convivência inter-religiosa, as missões ecumênicas,
realizadas em diferentes locais do Brasil, os encontros ecuménicos de mulheres,
em vista da superação da violência contra as mulheres, o cuidado da casa comum,
um tema abordado na Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2016, que provocou o
envolvimento do CONIC em muitas ações e iniciativas voltadas para o direito ao
acesso à água potável de qualidade.
Essas são práticas
assumidas por “muitas comunidades, grupos ecumênicos, pastorais e serviços
diaconais”, enfatiza o Texto Base, que na quarta parada faz uma proposta
celebrativa ecuménica. Finalmente, é explicado o significado da Coleta da Solidariedade,
“um gesto concreto da fraternidade,
partilha e solidariedade, realizado em âmbito nacional, em todas as comunidades
cristãs, paróquias e dioceses”, rebatida nas últimas semanas por diferentes
grupos e que provocou uma mensagem da presidencia do episcopado brasileiro.
Mensagem do Papa Francisco para a
Campanha da Fraternidad Ecuménica 2021
Queridos irmãos e irmãs do Brasil!
Com o início da Quaresma, somos
convidados a um tempo de intensa reflexão e revisão de nossas vidas. O Senhor
Jesus, que nos convida a caminhar com Ele pelo deserto rumo à vitória pascal
sobre o pecado e a morte, faz-se peregrino conosco também nestes tempos de
pandemia. Ele nos convoca e convida a orar pelos que morreram, a bendizer pelo
serviço abnegado de tantos profissionais da saúde e a estimular a solidariedade
entre as pessoas de boa vontade.
Convoca-nos a cuidarmos de nós mesmos,
de nossa saúde, e a nos preocuparmos uns pelos outros, como nos ensina na
parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37). Precisamos vencer a pandemia e
nós o faremos à medida em que formos capazes de superar as divisões e nos
unirmos em torno da vida. Como indiquei na recente Encíclica Fratelli tutti,
«passada a crise sanitária, a pior reação seria cair ainda mais num consumismo
febril e em novas formas de autoproteção egoísta» (n. 35). Para que isso não
ocorra, a Quaresma nos é de grande auxílio, pois nos chama à conversão através
da oração, do jejum e da esmola.
Como é tradição há várias décadas, a
Igreja no Brasil promove a Campanha da Fraternidade, como um auxílio concreto
para a vivência deste tempo de preparação para a Páscoa. Neste ano de 2021, com
o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor”, os fiéis são convidados a
«sentar-se a escutar o outro» e, assim, superar os obstáculos de um mundo que é
muitas vezes «um mundo surdo». De fato, quando nos dispomos ao diálogo,
estabelecemos «um paradigma de atitude receptiva, de quem supera o narcisismo e
acolhe o outro» (Ibidem, n. 48). E, na base desta renovada cultura do diálogo
está Jesus que, como ensina o lema da Campanha deste ano, «é a nossa paz: do
que era dividido fez uma unidade» (Ef 2,14).
Por outro lado, ao promover o diálogo
como compromisso de amor, a Campanha da Fraternidade lembra que são os cristãos
os primeiros a ter que dar exemplo, começando pela prática do diálogo
ecumênico. Certos de que «devemos sempre lembrar-nos de que somos peregrinos, e
peregrinamos juntos», no diálogo ecumênico podemos verdadeiramente «abrir o
coração ao companheiro de estrada sem medos nem desconfianças, e olhar
primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do único Deus» (Exort.
Apost. Evangelii gaudium, n. 244). É, pois, motivo de esperança, o fato de que
este ano, pela quinta vez, a Campanha da Fraternidade seja realizada com as
Igrejas que fazem parte do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs do Brasil
(CONIC).
Desse modo, os cristãos brasileiros, na
fidelidade ao único Senhor Jesus que nos deixou o mandamento de nos amarmos uns
aos outros como Ele nos amou (cf. Jo 13,34) e partindo «do reconhecimento do
valor de cada pessoa humana como criatura chamada a ser filho ou filha de Deus,
oferecem uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa
da justiça na sociedade» (Carta Enc. Fratelli tutti, n. 271). A fecundidade do
nosso testemunho dependerá também de nossa capacidade de dialogar, encontrar
pontos de união e os traduzir em ações em favor da vida, de modo especial, a
vida dos mais vulneráveis.
Desejando a graça de uma frutuosa
Campanha da Fraternidade Ecumênica, envio a todos e cada um a Bênção
Apostólica, pedindo que nunca deixem de rezar por mim.
Roma,
São João de Latrão, 17 de fevereiro de 2021
Francisco