O
símbolo Adinkra da Sankofa do sistema linguístico do povo Akan da África
ocidental, Costa do Marfim, Gana e Togo. O pássaro que voa para frente, mas que
volta seu pescoço para trás levando um ovo no bico. Significa, voltar-se para aprender
com o passado para ressignificar o presente na direção da construção de um
futuro.
Eu
sou da quarta geração pós 1888 da minha família. Tenho vontade de saber mais
sobre meus antepassados, mas, como qualquer outro afrodescendente no Brasil,
chega-se um momento da sua árvore genealógica que se torna difícil saber com
exatidão qualquer coisa, como por exemplo, de qual região africana vieram, qual
grupo étnico, sua língua, como se organizavam, suas festas, suas expressões do
sagrado, etc.
Cada
informação que você consegue, por mínima que pareça ser, para nós é como um
tesouro. Em uma pequena pesquisa que fiz com base em uma fotografia de família
que foi tirada por volta de 1940-45, cheguei a calcular que meu bisavô paterno
possivelmente pode ser situado na primeira geração de homens livres da minha
família. Natural de Minas Gerais sabe-se que ali foi lugar de grande fluxo de
escravos por causa do minério. Outra
característica importante é que meu pai é um contador de histórias, lembro que
na infância ele nos sentava a beira do fogão de lenha e contava histórias
sempre com um ensinamento como conclusão, meu bisavô também tinha esse hábito. É
interessante essa constatação porque a oralidade é muito importante na cultura
africana na transmissão da sabedoria. Outra característica importante é o fato
de tanto do lado paterno quanto materno sempre teve a figura das benzedeiras e
rezadores. Retornar ao passado nos ajuda a tomar consciência de quem somos e
para onde vamos.
Em determinado tempo da história meus
antepassados foram vítimas do tráfico de pessoas. Passaram pelo ritual de esquecimento de
etnicidades, que consistia em dar nove voltas em torno da árvore do Baobá,
batizados e obrigados a passar pela porta do não retorno e assim transformados
em mercadorias na América. Aqueles negros e negras que nunca mais retornavam
para sua terra, eram pessoas humanas com sonhos, filhos, mães, pais que cantavam,
dançavam, riam e sonhavam.
Não
há sistema no mundo que impeça o ser humano de voar, de transcender espaços
pré-estabelecidos. Meus pensamentos vão às asas da Sankofa e
imagino meus ancestrais passando pela porta do não retorno e me pergunto, quais
foram os seus sentimentos naquele momento? De certa forma, eu estava lá, pois
sou minha ancestralidade, e essa raiz por mais que tenha sido vítima das mais
absurdas formas de atrocidades continuam pulsantes. E meus antepassados
juntamente com todos os demais que foram traficados, construíram o povo
brasileiro com suor e lágrimas. Dos anciãos aprenderam a contar histórias, a
sabedoria popular, rezas, benzimentos, com as babás, essas mulheres angolanas
que foram as primeiras pedagogas do país que formularam as bases da sociedade
brasileira, com elas o brasileiro aprendeu a dar seus primeiros passos, suas
primeiras palavras, as cantigas de ninar, as cantigas de roda.
Tudo
isso só é possível assumindo uma consciência da sua ancestralidade, não negar
suas raízes, fazendo o movimento da Sankofa. Esse pássaro da resistência, que ressignifica
o presente, voltando sua cabeça para o passado na construção de um futuro.