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Dia: 7 de outubro de 2023

Cardeal Ambongo: Na Assembleia Sinodal “a autoridade vem do Batismo, é por causa do Batismo que estamos aqui”

A primeira coletiva de imprensa com a presença dos membros da primeira sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade, que acontece na Sala Paulo VI do Vaticano de 4 a 29 de outubro, foi realizada neste sábado na Sala Stampa vaticana. Um cardeal africano e uma religiosa migrante Aos tradicionais relatórios de Paolo Ruffini, prefeito do Dicastério para a Comunicação da Santa Sé e presidente da Comissão de Comunicação do Sínodo, assistido diariamente por Sheila Leocádia Pires, secretária da mesma comissão, juntou-se a irmã Leticia Salazar, Irmã da Companhia de Maria e Chanceler da Diocese de San Bernardino (Estados Unidos) e o Cardeal Fridolin Ambongo Besungo, Arcebispo de Kinshasa (República Democrática do Congo), que está participando como Presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar (SECAM). A primeira semana da Assembleia sinodal está terminando, onde foi concluída a seção A do Instrumento de Trabalho, que Ruffini considera rica em eventos, tendo abordado as características de uma Igreja sinodal e experimentado a grandeza da Igreja e sua unidade. O prefeito do Dicastério transmitiu a gratidão do Papa pelo trabalho dos jornalistas. Destaques dos primeiros dias Os principais temas dos primeiros dias foram lembrados, entre outros, a formação em todos os níveis de todos os batizados, especialmente nos seminários, a experiência de comunhão por parte da hierarquia e como encontrar novas formas de participação na comunhão, afirmando que a sinodalidade é uma atitude espiritual que requer estruturas e passando do conceito de poder para o conceito de serviço, sendo uma Igreja acolhedora, que supera o clericalismo e valoriza o papel dos leigos, que está com os pobres, especialmente com os migrantes. Uma assembleia sinodal cujos membros receberam na sexta-feira à tarde o livro do Papa Francisco “Santos, não mundanos“, e que na quinta-feira à tarde peregrinarão às Catacumbas de Santa Domitila, um lugar de importância na vida da Igreja se nos referirmos às primeiras comunidades cristãs, ou mais recentemente ao Concílio Vaticano II ou ao Sínodo para a Amazônia, e aos pactos ali assinados. Os membros da assembleia são convidados a rezar e têm desfrutado da presença de Francisco em todas as congregações gerais, que está sempre entre os primeiros a chegar e conversa abertamente com os presentes no salão sinodal. Estar abertos e aprender com todos A Irmã Leticia Salazar disse que participou de vários Capítulos Gerais da Companhia de Maria, mas enfatizou que essa experiência é diferente, é uma experiência com toda a Igreja, “ela nos permite estar abertos e aprender com todos“. Nascida no México, ela emigrou com sua família para os Estados Unidos aos 17 anos, enfatizando que foi a Igreja Católica que a acolheu. Este é o quarto sínodo do qual o Cardeal Ambongo participa, e ele destacou que cada um chegou à Assembleia Sinodal com suas próprias esperanças, “mas pouco a pouco entramos no processo e percebo que este Sínodo não é como os outros dos quais participei“. Reconhecendo que ninguém sabe como ele terminará, ele enfatizou a importância de que “somos irmãos e irmãs ouvindo a vontade de Deus para sua Igreja”, que ninguém veio com uma agenda para impor. Um Sínodo que está sendo vivido com alegria e confiança, em um clima positivo, e onde o que sair será acolhido como a vontade de Deus, dizendo estar convencido de que dará muitos frutos para a Igreja. Importância do método de discernimento comunitário Um Sínodo que só terá resultados no final da segunda sessão da Assembleia Sinodal, em outubro de 2024, por isso os temas, algo que ele disse em relação aos ministérios ordenados, são tratados, mas não para decidir algo e sim para ver o que o Espírito nos diz em relação a esse tema, ressaltando a necessidade de ouvir para descobrir a vontade do Senhor. Para isso, é importante o método escolhido, o discernimento comunitário, porque “ninguém pode dizer que eu sei qual é a vontade de Deus”, enfatizou o cardeal. Um método no qual “buscamos juntos a melhor solução para o problema neste momento”, o que garantirá que “o resultado seja o mais próximo possível do que podemos considerar ser a vontade de Deus”. Um trabalho feito em conjunto, porque “a autoridade vem do Batismo, é por meio do Batismo que estamos aqui“. Nos círculos menores, é necessária a maioria para aprovar os relatórios, que são apresentados à congregação geral, onde todos podem reagir, e depois as comunidades de discernimento discutem novamente o que foi ouvido na congregação geral, elaborando um relatório final a ser apresentado à secretaria do Sínodo. Uma Igreja com traços sinodais A Ir. Leticia Salazar compartilhou o trabalho que a Diocese de San Bernardino realiza com os migrantes latino-americanos, onde há 30 anos refletem sobre como ser uma Igreja acolhedora, com traços sinodais, que busca a integração das pessoas, afirmando que o tema da migração faz parte do discernimento sinodal e é necessário continuar a aprofundar o que significa ser irmãos e irmãs. Como o cardeal africano, a religiosa insistiu que “foi o Batismo que nos trouxe até aqui”, enfatizando a importância da oração, que “nos permite ver coisas que nunca vimos antes, nos permite abrir-nos a novas possibilidades“. Isso exige muita atenção à Palavra de Deus, às vozes que escutamos, não se trata apenas de nossa experiência pessoal e isso se expressa livremente nos círculos, enfatizou, porque é aqui que “o que Deus está nos dizendo é revelado, isso é discernimento comunitário, é uma comunidade que atinge a meta”. Nesse sentido, destacou que “muitas vezes as pessoas não entendem o que é sinodalidade, que não é um conceito, é a experiência de se sentir incluído, escutado”. Para o Cardeal Ambongo, “a formação no espírito da Igreja sinodal é fundamental, todos nós temos que nos deixar formar no espírito da sinodalidade“. A partir daí, ele disse que “não é o Sínodo que resolve problemas particulares, mas o Sínodo que define a nova maneira de enfrentar os problemas no espírito da sinodalidade”. Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Mesas redondas que geram caminhos de esperança em uma Igreja sinodal

Ser uma fonte de esperança para uma Igreja onde haja espaço para todos, todos, todos. Poderíamos dizer que esse é um dos desafios do Sínodo sobre a Sinodalidade, que está realizando a primeira etapa da Assembleia Sinodal na Sala Paulo VI, no Vaticano, de 4 a 29 de outubro. Um ponto chave para a vida da Igreja Não podemos nos esquecer de que a esperança é um ponto chave para a vida da Igreja, especialmente para aqueles que passaram por experiências difíceis, dolorosas e desafiadoras. São essas pessoas que esperam que a Igreja as ajude a encontrar uma luz que as abrirá para um modo de vida diferente, a superar o medo, a entender que, ao viver em docilidade ao que o Espírito Santo quer dizer, a pessoa encontra o caminho da vida. Uma esperança que está inerente em todos aqueles que acreditam na Ressurreição, em todos e todas os que se sentem o povo do Ressuscitado, o povo da esperança. A experiência do Sínodo está ajudando a muitos dos que são membros da Assembleia Sinodal a viver a experiência de uma Ressurreição. Parece que estávamos na tumba, tudo frio, tudo derrotado, com aquele sentimento primeiro dos discípulos de Emaús. Um Sínodo para encontrar-se com o Ressuscitado Diante disso, o Sínodo sobre a Sinodalidade está fazendo com que muitas pessoas se encontrem com o Ressuscitado. É a esperança que faz parte da vida daqueles que passam por experiências difíceis em seu cotidiano, em seu dia a dia. Na secura vivenciada por tantos homens e mulheres mundo afora, às vezes, uns pingos de chuva fazem com que a terra da vida cobre um sabor diferenciado, uma cor nova, o broto começa a nascer da semente que foi plantada. Uma experiência que está sendo vivida nesse Sínodo, que mais do que uma novidade é um despertar de algo que já existia, que já existe, e que hoje está se revelando, se abrindo. É o túmulo que se abre e o Ressuscitado que aparece e traz a esperança que brota da vida em plenitude. Muitas pessoas apontando caminhos para uma Igreja sinodal O fato de ver tantas pessoas que de diferentes modos, dentro e fora da sala sinodal, estão apontando caminhos para ser uma Igreja sinodal é um sinal de esperança que leva a acreditar que a Igreja está no caminho certo, que está superando os medos, pois quem tem esperança não tem medo da novidade, medo de caminhar junto. Um modo de se colocar a caminho que leva a ter a certeza de que no caminho podemos encontrar tropeços, pedras, mas sobretudo alegria, companheiros e companheiras, gente em sintonia diante dos mesmos problemas. Um Sínodo que está sendo uma oportunidade para apontar caminhos para a esperança em algo novo, para uma revelação de algo que estava escondido na Igreja, porque a Igreja sinodal, ela já existe. Talvez ela tivesse sido esquecida, talvez muitos nem a conheciam. Mas estamos diante de um chamado que nos leva a assumir a necessidade de resgatar, de recuperar. Como Madalenas se faz preciso anunciar essa Igreja da esperança, essa Igreja sinodal onde todos se propõem caminhar juntos, algo que é bem mais do que dar as mãos e caminhar, é perceber que nós temos erros e que no caminho somos chamados a acertar esses erros, acolhendo todos e todas sem exclusão de ninguém. Essas mesas redondas onde se olhando aos olhos, os membros do Sínodo, homens e mulheres chegados de todos os cantos da Igreja buscam discernir esses caminhos de esperança. Um modo de ser Igreja a ser assumido em tantos lugares onde a esperança é necessária para não duvidar que Deus sempre está com todos, todos, todos. Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Padre Vanthuy Neto: A encíclica “Lacrimabili statu” de Pio X sobre os indígenas foi um texto iluminado

Antecipador de questões como os direitos humanos e o direito à própria terra. O padre Vanthuy Neto, professor de História da Amazônia, da diocese de Roraima, “lê” para nós o documento escrito em 1912, depois que o Papa viu os relatórios dos missionários beneditinos desse canto do Brasil. Era 1912, 108 anos antes da exortação apostólica Querida Amazônia, do Papa Francisco. Pio X escreveu uma carta encíclica, Lacrimabili statu, que era uma denúncia precisa e circunstancial da situação inaceitável em que os povos indígenas da América Latina, e em particular da Amazônia, eram obrigados a viver. Era um texto antecipatório, que mostrava o “coração pastoral” do Papa Sarto, capaz de se expandir para o mundo inteiro e para situações inéditas, chegando implicitamente a falar de “direitos humanos”. Sobre a importância desse texto, entrevistamos o padre Vanthuy Neto, chanceler da diocese de Roraima e professor de História da Amazônia. Ele nos responde enquanto conversa com o padre Edy Savietto, missionário fidei donum de nossa diocese, em Roraima. Uma “ponte” entre duas dioceses que também acontece em nome de São Pio X, cuio corpo está peregrinando nesses dias na diocese de Treviso, onde ele nasceu.  Qual é a importância do texto de Pio X de mais de 100 anos atrás? O que ele representou para os povos indígenas? A encíclica do Papa é um documento que nasce das denúncias precisas dos missionários da época, principalmente da região de Roraima, onde os beneditinos estavam presentes, em um contexto em que os indígenas eram tratados com grande violência. Outras notícias vieram da Amazônia peruana. A encíclica retoma quase literalmente as notícias que vieram dessas áreas. Lembro-me de que a área pan-amazônica é aquela onde ainda hoje existe a maior diversidade de grupos étnicos indígenas do mundo. Essa grande região sofreu uma grande “invasão por motivos econômicos” na virada dos séculos XIX e XX. Isso ocorreu, sobretudo, por causa da abundância da borracha. A Amazônia era considerada um “inferno”, era chamada de “inferno verde”. Temia-se pragas, febres e epidemias, mas foi aqui que a borracha foi descoberta. A Amazônia foi subitamente revelada ao mundo por seu potencial econômico. Evidentemente, a notícia chegou ao Vaticano, que começou a exercer sua atenção espiritual sobre essas regiões. Leão XIII já havia dividido a região amazônica em duas jurisdições eclesiásticas, Belém e Manaus, e envolveu muitas ordens e congregações nessa grande obra de evangelização, incluindo os dominicanos, xaverianos, beneditinos, franciscanos, jesuítas etc. A encíclica é, de fato, o resultado dessas informações, enquanto na Europa predominava uma cultura “positivista”, segundo a qual os povos europeus traziam um “mais”, um avanço, em relação aos povos considerados primitivos. Os missionários descobriram que os povos indígenas eram maltratados até mesmo pelos próprios cristãos. Assim, o boom econômico e os povos exterminados, que passaram de maioria a minoria, são os dois pontos abordados no Lacrimabili statu, aos quais se deve acrescentar a denúncia do Papa Pio X sobre a violência que essas populações continuaram a sofrer. Deve-se levar em conta que os povos originários somavam cerca de cinco milhões e haviam se reduzido a apenas seis mil na região brasileira.  A encíclica de Pio X fala dos relatórios dos missionários. Qual foi a importância de suas ações e escritos ao longo das décadas? A encíclica criou uma consciência especial sobre os povos originários e o papel dos missionários. A primeira coisa que ficou muito clara foi que os missionários, em seu trabalho de evangelização, não concordavam de forma alguma com práticas violentas contra os povos indígenas. Em segundo lugar, havia uma forte preocupação da parte deles de que os indígenas não fossem tratados como uma raça inferior. Os beneditinos de Roraima falam de uma prática em que eles eram marcados com um ferro incandescente, como se fossem animais. Isso é claramente afirmado na encíclica. Outro ponto diz respeito aos direitos dos povos indígenas com relação à sua terra e posse. Essa encíclica antecipa uma noção, a dos direitos humanos e dos direitos dos povos indígenas, que surgirá claramente sessenta anos depois. Podemos realmente dizer que essa é uma carta iluminada e inspirada. A carta revela um aspecto do Papa Pio X que não é muito conhecido, essa atenção ao que será chamado de direitos humanos, e enfatiza que a evangelização não pode ocorrer sem a passagem de uma condição menos humana para uma mais humana. Além disso, o Papa deu poder aos bispos para agirem contra essa violência. O texto de Pio X ainda é conhecido no Brasil hoje? A encíclica não foi muito conhecida no Brasil: foi escrita em latim, as notícias circulavam lentamente… Mas aqui em Roraima, o bispo da época a publicou e a espalhou por toda a prelazia. Naquela época, os beneditinos enfrentavam os fazendeiros, os grandes proprietários de terras, que desencadearam uma perseguição contra eles também. Nos arquivos, há muitos testemunhos desses ataques dos fazendeiros contra os missionários. Portanto, podemos dizer que, no início, a carta não era muito conhecida, mas foi “vivida” pelos missionários da época. Há continuidade entre a encíclica de São Pio X e o magistério do Papa Francisco? É interessante que os beneditinos propuseram a criação de um território indígena em 1912. A partir daí, pode-se ver uma certa continuidade. Podemos falar não apenas de continuidade, mas também de algo que foi realizado com relação às indicações dadas pelo Papa. Pode-se também falar hoje de uma “situação de choro” com relação aos povos indígenas? Quais são os maiores desafios ainda em aberto? Não há dúvida de que essa encíclica é extremamente atual. Há apenas uma semana, a Suprema Corte do Brasil decidiu contra o “Marco Temporal”, a lei que buscava arrancar seus territórios dos povos indígenas. O documento de Pio X fala do direito dos povos indígenas de possuírem suas próprias terras, e até hoje isso ainda está sendo questionado. Portanto, está claro para mim que a encíclica é muito, muito oportuna. Durante o Sínodo da Amazônia, ressoou o direito dos povos indígenas à sua própria terra, à sua própria cultura. Naquela ocasião, foi…
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