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Sinodalidade: A diversidade nunca é uma ameaça, os proscritos nos abrem para Deus

Compreender uma diversidade que nos enriquece, que não é uma ameaça, é um dos grandes desafios em uma sociedade, também em uma Igreja onde o diferente é quase sempre visto como uma ameaça. Fazer isso é ser discípulo, pois não nos esqueçamos de que a atitude de Jesus era a de se relacionar com todos, mesmo com aqueles que eram diferentes, com os proscritos, incluindo as mulheres e os samaritanos. Sempre dispostos a abraçar No encontro de Jesus com a mulher samaritana, uma cena que ilumina a reflexão do Módulo B1, que está sendo trabalhado nestes dias pela Assembleia Sinodal, aparece a atitude do Senhor que nos questiona e deve nos levar a refletir sobre como nos aproximamos dos outros, se “com as unhas” para atacar, ou com os braços abertos para abraçar. A Assembleia Sinodal está mudando de cara, pode-se ver isso nas atitudes daqueles que chegam à sala sinodal, dispostos em mesas redondas na Aula Paulo VI do Vaticano, mas também se pode ver isso nos momentos que antecedem o início dos trabalhos. Nós, jornalistas, conseguimos entrar no momento da oração e, da posição que ocupamos, podemos ver os participantes da Assembleia em sua totalidade. Aos poucos, a formalidade, até mesmo na maneira de se vestir, foi se perdendo, as pessoas estão ganhando confiança, as saudações deixaram de ser formais e se tornaram mais fraternas. Ouvem-se risadas, provavelmente como resultado de piadas ou comentários que alegram o coração daqueles que veem no outro um companheiro, um companheiro de caminho, com quem construir juntos a Igreja sinodal que o Papa Francisco indica e da qual todos nós precisamos, embora alguns insistam em negá-la, embora alguns a enfrentem com toda a força e com artimanhas vis e desonestas. Comunidades com um lugar para os “indesejáveis” Voltando à cena do Evangelho, em que aquela mulher de um povo indesejável e de uma vida supostamente questionável diante de um olhar sem misericórdia, podemos dizer que é ela quem liberta Jesus. Isso nos desafia como Igreja, ainda mais se quisermos apostar em uma Igreja sinodal. A grande questão é se essas pessoas têm lugar em nossas comunidades eclesiais, que devem ser a presença de uma Igreja que quer ser expressão de comunhão, que é o grande tema do Módulo B1, de unidade na diversidade, uma Igreja que não é para os saudáveis, mas para os doentes, também de espírito, que precisam recuperar uma dignidade que lhes foi negada. É com essas pessoas que nós batizados e batizadas, a Igreja sinodal, devemos ser um instrumento de unidade para toda a humanidade, algo que a pergunta que orienta esse módulo nos leva a refletir. Para isso, cinco temas diferentes serão discutidos nas comunidades para o discernimento, nos círculos menores ou, para resumir, nas mesas redondas, pois este é o “Sínodo das mesas redondas”: serviço de caridade, compromisso com a justiça e cuidado com a casa comum; encontro entre amor e verdade; troca de dons entre as igrejas; compromisso ecumênico; e diálogo com culturas e outras religiões. O tempo de teste já passou, as mesas redondas, nas quais desde ontem houve algumas mudanças, estão marcando o objetivo, indicando o caminho para ser uma Igreja sinodal. Um caminho que será mais fácil e mais suportável na medida em que a escuta for honesta e profunda, se for descoberto que, na voz do outro, da outra, as mulheres têm uma delicadeza diferente que sempre ajuda, Deus nos fala, se faz presente em nossas vidas de batizados e batizadas, e no caminho de uma Igreja que deve ser comunhão, na qual deve ser cada vez mais fácil passar do eu para o nós, escutar a voz que vem das periferias. Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Inicia o Segundo Módulo da Assembleia Sinodal: “Todos são convidados a fazer parte da Igreja”

A primeira sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre Sinodalidade entrou em seu segundo módulo. E o fez com uma missa no rito ortodoxo, na qual “pudemos saborear a riqueza de um dos ritos de nossa Igreja única e multifacetada”, nas palavras do Cardeal Hollerich, Relator Geral do Sínodo, que enfatizou que “no primeiro módulo, nos reconectamos com a experiência do ‘caminhar juntos’ do Povo de Deus nos últimos dois anos. Trabalhamos para focar melhor a Igreja sinodal como uma visão global”. Passando do “eu” para o “nós Lembrando que até agora os membros da assembleia ganharam experiência no uso da metodologia da Conversação no Espírito, começaram a tecer relacionamentos e a criar vínculos, passando do “eu” para o “nós”. Ele lembrou que nesse Módulo a composição dos Círculos Menores está mudando, insistindo na questão prioritária: “Como ser mais plenamente sinal e instrumento da união com Deus e da unidade de toda a humanidade?“. O cardeal partiu da premissa de que “a Santíssima Trindade é a base de todas as comunhões”, refletindo sobre as dificuldades de viver a comunhão em um sentido prático, ao que insistiu que “todos são convidados a fazer parte da Igreja“, algo que o Papa Francisco insistiu na JMJ de Lisboa e em sua homilia na missa de abertura. A partir daí, ele fez várias perguntas aos participantes, mostrando a necessidade de partir de experiências concretas, em nível pessoal e como Povo de Deus. Para isso, ele explicou como trabalhar nos próximos dias e, assim, mostrar que em diferentes contextos a pergunta feita neste módulo tem ressonâncias diferentes, valorizando a importância da pluralidade. Um Deus que tem sede de nós “Como podemos nos formar todos para uma comunhão que transborde em missão?” foi a pergunta a partir da qual o Pe. Timothy Radcliffe OP iniciou sua reflexão sobre o texto que narra o encontro de Jesus com a samaritana junto ao poço, que passou de figura solitária a primeira pregadora do Evangelho. Algo que parte das palavras de Jesus: “Dá-me de beber”, insistindo que “todo o Evangelho de João se articula em torno da sede de Jesus”, e que “Deus aparece entre nós como alguém que tem sede, especialmente por cada um de nós”. Nas palavras do frade dominicano, “nossos pecados, nossos fracassos, muitas vezes são tentativas equivocadas de encontrar o que mais desejamos. Mas o Senhor espera pacientemente em nossos poços, convidando-nos a ter ainda mais sede”. É por isso que a formação para “uma comunhão que irradia”, o tema deste módulo, “consiste em aprender a ter sede e fome cada vez mais profunda“. Isso porque “o que nos isola é ficarmos presos a pequenos desejos, a pequenas satisfações, como vencer nossos adversários ou ter status”. Sinodalidade: aprendendo a ser pessoas apaixonadas A partir daí, ele definiu a formação para a sinodalidade como “aprender a ser pessoas apaixonadas, cheias de profundo desejo”, perguntando, especialmente aos seminaristas: “como se tornar pessoas apaixonadas – apaixonadas pelo Evangelho, cheias de amor mútuo – sem desastres?” É por isso que “uma Igreja sinodal será aquela em que somos formados para um amor sem posses: um amor que não foge nem se apodera da outra pessoa; um amor que não é abusivo nem frio”. “Devemos nos treinar para encontros profundamente pessoais uns com os outros, nos quais transcendemos os rótulos fáceis. O amor é pessoal e o ódio é abstrato”, enfatizou Radcliffe. O dominicano ressaltou que “muitas pessoas se sentem excluídas ou marginalizadas em nossa Igreja porque lhes demos rótulos abstratos”, concluindo que “nosso papel como sacerdotes é, muitas vezes, apoiar aqueles que já começaram a colher a safra antes mesmo de acordarmos”.  Comunhão: vivendo juntos em Cristo A reflexão continuou com a professora Anna Rowlands, que começou lembrando a pergunta do padre Radcliffe: “Podemos ter a coragem de encarar a realidade como ela é?”, refletindo assim sobre a comunhão a partir da passagem das Bodas do Cordeiro. A professora de Pensamento e Prática Social Católica destacou que o módulo, que está sendo lançado, “nos leva ao coração desse paradoxo cristão básico: esperança e dificuldade, a beleza e a liberdade do chamado de Deus e os desafios de crescer em santidade“. Um texto que recupera a linguagem da Lumen Gentium e nos leva a descobrir que “a vida de comunhão nos é oferecida como a maneira abençoada de vivermos juntos em Cristo, aprendendo a ‘suportar’ a realidade, com doçura, generosidade, amor e coragem, para a paz e a salvação do mundo inteiro”, compreender que a comunhão é “o fundamento da realidade e a fonte do ser da Igreja”, e que “participar da vida de comunhão é a honra e a dignidade de nossas vidas”, chamando a pensar “na comunhão como a primeira e a última palavra de um processo sinodal”. Comunhão: a beleza da diversidade na unidade Uma comunhão que é “a beleza da diversidade na unidade“, superando a homogeneidade do mundo moderno. Uma comunhão que, citando São Boaventura, nos leva a refletir sobre “como a pluralidade da criação permite que todas as diferentes cores da luz divina brilhem”. Diante da competitividade do mundo, “Deus nos atrai para uma comunhão de humildade e serviço”, destacou a professora do Departamento de Teologia e Religião do Centro de Estudos Católicos da Universidade de Durham (Reino Unido). Portanto, essa seção B1 “nos convida a crescer em comunhão, refletindo com humildade com aqueles que são vulneráveis, sofredores ou fracos e sobre as vulnerabilidades e fraquezas da Igreja”, disse ela. Uma seção que nos leva a nos perguntar corajosamente “como podemos estar mais próximos dos mais pobres, mais capazes de acompanhar todos os batizados nas várias situações humanas, despojados de falsos poderes, mais próximos de nossos irmãos e irmãs cristãos e mais comprometidos com nossas culturas particulares”. Isso porque “a Igreja nasceu inseparável do drama humano”, uma comunhão que “existe em realidades concretas e tangíveis”, e que encontra na Eucaristia “as diferentes dimensões da comunhão”. Uma comunhão que se traduz no acompanhamento de vítimas de abuso por parte do clero, de migrantes e refugiados,…
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Sônia Gomes de Oliveira: “Igreja sinodal é a que não deve ter medo de caminhar juntos

O segundo módulo da primeira sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade, que busca responder à pergunta sobre “Como podemos ser mais plenamente sinal e instrumento da união com Deus e da unidade do gênero humano?”, iniciou com uma Missa no Altar da Cátedra em rito greco-bizantino, presidida por Sua Beatitude Rev. Youssef ABSI, Patriarca de Antioquia dos Greco-Melquitas, Presidente do Sínodo da Igreja Católica Greco-Melquita, com a homilia de Sua Beatitude Eminência Card. Béchara Boutros RAÏ, O.M.M., Patriarca de Antioquia dos Maronitas, Chefe do Sínodo da Igreja Maronita, que pode ser considerado um passo a mais no caminho da unidade. O processo sinodal na Igreja do Brasil Na Congregação Geral os participantes da Assembleia Sinodal escutaram diversos depoimentos, dentre eles o partilhado por Sônia Gomes de Oliveira, presidente do Conselho Nacional do Laicato Brasileiro e uma das mulheres membros da Assembleia. A leiga brasileira iniciou suas palavras lembrando que “viver o processo sinodal na Igreja do Brasil foi uma continuidade do caminho iniciado na Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe”, destacando o processo de escuta realizado, mesmo com a pandemia. Ela destacou a importância da Equipe Nacional no trabalho de animação do processo sinodal chegando nas bases, onde foi importante a participação do laicato, uma prática que ajudou a conhecer a realidade em diferentes níveis e dos leigos e leigas se descobrir como corresponsável na missão. Também uma oportunidade para iniciar processos de formação, lembrando as palavras do relatório realizado no Brasil para a fase continental: “o Sínodo caiu, no mundo dos leigos e leigas, como um oceano a ser explorado e valorizado e, por isto a partir de agora não deve ser só um momento, mais uma prática da Igreja”. Uma Igreja sinodal na prática Sônia Gomes de Oliveira insistiu na necessidade de uma Igreja sinodal na prática “onde todos os batizados são chamados a participar, não só como colaboradores, mas reconhecido e conscientes da responsabilidade pela missão”, mas também afirmando que “nem todos compreenderam o processo”. Ela disse ter compreendido que “Igreja sinodal é a que não deve ter medo de caminhar juntos com aqueles que querem viver a unidade, respeitando os diversos carismas e vocações”, destacando a necessidade de “colocar os chinelos e os pés no caminho, ouvir o povo que grita e a Igreja precisava ouvir”. Segundo a presidenta do laicato brasileiro é necessário “exercer o meu papel de batizada no meu ambiente de Trabalho com um jeito e forma de ser Igreja”, que a leve a “unir a minha profissão com o meu ser cristã”. Ela destacou a importância das escutas, de fazê-las do jeito de Jesus, relatando duas experiências marcantes, uma com uma prostituta, que disse: “agora entendi, a Igreja e o Papa Francisco querem saber como estou”, afirmando carregar um fio de esperança, e agradecendo ter chegado até ela, o que fez com que ela se sentisse aliviada, mas dizendo, “pena que o povo da Igreja não faz isto sempre!”. Uma segunda experiência foi num presidio, onde experimentou o consolo levado até os detentos, e como “somos chamados a consolar”. Experiências de escuta Em suas palavras, Sônia Gomes de Oliveira foi partilhando diversas experiências vividas nas escutas, querendo assim ressaltar que “falar de uma experiencia sinodal é falar de uma Igreja que tem que ser aberta para acolher, aberta para escutar”, pois, “existem muitos lugares de dor, sofrimento, é importante a presença da Igreja”, chamado a todos e todas a estar ali, “ainda temos muitos lugares que não conseguimos chegar”. É por isso que temos que “ser Igreja no coração do mundo”, uma Igreja que acolhe a todos, e ter um coração fraterno que acolhe os crucificados de hoje, refletindo sobre o sofrimento das mulheres e a necessidade de entender que “fazer o caminho sinodal é ser pobre com os pobres e não para os pobres”. Diante de tantas coisas bonitas que existem na Igreja, a presidenta do laicato no Brasil fez um chamado a ser cireneus, a “criar ou fortalecer uma rede da sinodalidade que acolhe, que reza, que ajuda”. Uma Igreja que respeita a cultura dos povos indígenas e comunidades tradicionais, com uma liturgia mais próxima de sua realidade, com uma presença mais acolhedora para com aqueles que são descartados. Finalmente, mostrou a necessidade de “uma Igreja que precisa que cativemos mais pessoas, Igreja do encantamento que leva a entender que eles também são testemunhas do Ressuscitado, Igreja da Esperança, Igreja profética que entra nos porões onde a vida está ameaçada, Igreja da partilha da Eucaristia, Igreja da Pertença. “A Igreja que o Espírito nos impele a mostrar Jesus”, destacou. Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Cardeal Steiner preside Eucaristia na Paróquia São Leonardo de Porto Maurizio, sua Igreja em Roma

  O cardeal Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus e presidente do Regional Norte1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) presidiu a celebração da Eucaristia na paróquia São Leonardo de Porto Maurizio na Acilia, sua paróquia em Roma. O Santo Padre encomenda a cada um dos cardeais eleitores, aqueles que têm menos de 80 anos, uma paróquia de Roma, sendo considerados o clero do Papa. O arcebispo de Manaus, que é cardeal presbítero, lhe foi entregue essa paróquia, que fica na periferia de Roma, em 27 de agosto de 2022, dia em que ele foi criado cardeal. O purpurado mostrou sua alegria e gratidão por poder presidir a Eucaristia e iniciou sua homilia dizendo levar uma saudação da Arquidiocese de Manaus, “uma saudação de quase mil comunidades, uma saudação de 70 mil indígenas que estão na arquidiocese, uma saudação das nossas comunidades ribeirinhas, uma saudação das nossas comunidades da cidade de Manaus, uma cidade de dois milhões e sessenta mil habitantes, uma saudação das nossas comunidades da periferia, que são comunidades novas, que agora estão iniciando suas comunidades com pessoas que vem do interior procurando um modo de viver, saúde e educação, uma saudação de todos”. Dom Leonardo lembrou a realização do Sínodo Arquidiocesano, quando as comunidades da Arquidiocese de Manaus mostraram o que pensam, o que sonham para o futuro da nossa Igreja, sendo escolhidas diversas linhas para a arquidiocese. Ele disse estar participando da primeira sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade, que definiu como “um momento belíssimo, porque estamos sentados em torno a uma mesa redonda”, lembrando que são 35 mesas onde estão irmãs, padres, leigos, bispos, cardiais, “todos pensando em uma Igreja sinodal, onde todos nós estamos em caminho, onde todos nós vamos buscando aos poucos o Reino definitivo, onde todos nós pensemos o que fazer que todos possam participar da graça do Evangelho”. Segundo o cardeal “aos poucos vamos chegar naquilo que quer o Papa Francisco, ser uma Igreja sinodal, todos participando, todos anunciando, todos vivendo o Evangelho de Jesus”. O arcebispo de Manaus destacou como “o Evangelho se encarna aos poucos em diversas culturas”, algo que se faz presente nos grupos para o discernimento, com presença de diversos países e continentes no mesmo grupo, destacando a beleza que representa os diversos modos de pensar, de viver o Evangelho, “mas todos com a força e a iluminação do Espírito que aponta o Reino de Deus”. Analisando as leituras da Liturgia da Palavra do 27º Domingo do Tempo Comum, o cardeal Steiner destacou que a primeira leitura mostrava um sonho de amore, que se transforma numa realidade e uma relação de amor. Já no Evangelho, ressaltou os frutos que não deram, falando sobre os frutos que nascem da relação de Deus conosco, o modo de Deus estar no meio de nós, em Jesus Cristo Crucificado. Um texto que mostra que Deus quer que nós demos frutos porque Ele tem dado seu amor em Jesus. Após destacar alguns elementos da segunda leitura, o cardeal pediu que o Evangelho, que é um sonho amor, possa dar frutos de perdão, de reconciliação, do amor, da justiça, da familiaridade, que esses dons e esses frutos façam disfrutar da vida e experimentar o sabor da vida, que não é para se tornar insuportável e sim para desfruta-la. Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Cardeal Ramazzini: “A primeira coisa que eu diria àqueles que desprezam os migrantes é que eles não deveriam se considerar cristãos”

Em setembro de 2023, o Cardeal Álvaro Ramazzini foi eleito presidente da Rede Clamor, uma organização da Igreja Católica que acompanha migrantes e refugiados na América Latina e no Caribe. O Papa Francisco pede para acolher, proteger, promover e integrar, a fim de enfrentar “uma realidade dolorosa por causa de tudo o que vimos acontecer”, nas palavras do Bispo de Huehuetenango, que já se perguntou repetidamente “como colocar em prática esses quatro verbos que o Papa nos propõe”. O desafio é promover O cardeal afirma que “alguns deles já estamos fazendo, o que continua a ser um desafio, pelo menos pessoalmente, é a questão da promoção, como conseguir inserir muitas pessoas em uma nova sociedade, onde muitas vezes os empregos exigem um alto nível de qualificação profissional”. O Cardeal fala da realidade de seu país, a Guatemala, onde muitas pessoas nem sequer têm a educação formal necessária e, portanto, vão fazer os trabalhos, no caso dos Estados Unidos, onde há uma imigração muito forte de guatemaltecos, o que os norte-americanos não fazem. Diante dessa situação, ele pergunta: “Como podemos realmente garantir que essa recepção também seja dada por sociedades nas quais o que importa é que você tenha dinheiro e produza dinheiro? O presidente da Rede Clamor responde que “os quatro verbos ainda são desafiadores e continuarão a exigir políticas migratórias abrangentes“. Ele também questiona qual país está atualmente colocando os quatro verbos em prática, mesmo que eles possam justificar que isso vem do Papa. Uma questão de sofrimento humano Na realidade, “os quatro verbos implicam ações que poderiam realmente ajudar a enfrentar e confrontar a questão da migração de uma forma humana”, insistindo que “é aqui que temos que continuar fazendo esforços para entender que não é uma questão de lei, mas uma questão que vai muito além das leis, é uma questão de sofrimento humano, de deficiências humanas, de problemas humanos, que devem ser vistos de uma perspectiva humana”. Reconhecendo que o que é legal deve existir, o cardeal guatemalteco afirma que “nos esquecemos de que, abaixo da legalidade, deve sempre haver um espírito no qual a humanidade é respeitada”. Um desprezo pelos migrantes, uma xenofobia que está presente em pessoas que se dizem cristãs, católicas. Diante disso, o presidente da Rede Clamor afirma que “a primeira coisa que eu diria àqueles que desprezam os migrantes é que eles não deveriam se considerar cristãos”. Isso porque a essência da identidade cristã é “viver o Evangelho, porque para nós não é apenas a norma que deve reger nossas vidas, mas é a palavra que nos dá vida”, lembrando que “foi isso que disseram ao Senhor Jesus, só você tem as palavras de vida eterna”, algo que o cardeal considera “uma consideração que muitas vezes esquecemos”, e que seremos julgados no final de nossas vidas “se acolhemos ou não o migrante”. Compromisso baseado na fé em Jesus Cristo Segundo o cardeal guatemalteco, “uma pessoa que não se coloca diante do Evangelho e não questiona o que o Evangelho propõe e exige para ser verdadeiramente cristão, certamente não será capaz de entrar em um processo de conversão que ajude não apenas a acolher, mas também a promover uma pessoa migrante”, o que ele considera lógico “a partir de uma lógica do mundo no sentido joanino, de uma lógica do dinheiro, de uma lógica do que importa para mim o que acontece com os outros se eu estiver bem”, o que ele considera “nada cristão”. Para o presidente do Clamor Vermelho, o desafio é que “se alguém realmente quer se comprometer com os migrantes, deve fazê-lo a partir da fé em Jesus Cristo e do desejo de ser um discípulo de Jesus Cristo“. Com relação à assembleia sinodal que iniciou sua primeira sessão em 4 de outubro, ele disse que gostaria de “poder ir juntos buscando a aplicação nos vários níveis da sociedade em geral daquilo que sempre dissemos: todo migrante é meu irmão, todo migrante é minha irmã, ninguém na Igreja deve ser estrangeiro“. Em suas palavras, ele reflete sobre a clara separação em muitos estados entre a Igreja e o Estado, afirmando que “o desafio não é tanto que, para nós cristãos, o Evangelho seja a palavra que dá vida, mas, acima de tudo, retornar verdadeiramente às raízes de quem somos”. Tratar o outro como uma pessoa O cardeal insiste que “somos seres humanos e, na medida em que eu me considero um ser humano e considero os outros seres humanos, logicamente deve haver uma reação, e a reação é que estamos no mesmo barco, estamos no mesmo planeta, por que não deveríamos ajudar uns aos outros”. Em sua reflexão, ele lembrou “O Drama do Humanismo Ateu”, de Henri de Lubac, em que aborda a questão da perda do verdadeiro humanismo, afirmando que os ateus viam nos outros um próximo para ajudar, algo que ele considera que estamos perdendo, “estamos perdendo essa valorização dos outros como pessoas, e que eles esperam que eu os trate como pessoas, que os respeite como pessoas e que os ajude como pessoas”, enfatizando que “estamos em uma fase de esquecimento de quem somos nesta terra”. Algo que ele critica nos Estados Unidos, questionando “como é possível que, em um país como os Estados Unidos, que geralmente é considerado cristão, protestante e católico, como é possível que a essência do cristianismo: ‘Eu era um estrangeiro e você me acolheu’, não seja vivida”. Nesse momento, ele reconhece a existência da separação entre Igreja e Estado, mas afirma que “temos um sistema legal que, em um país que se diz cristão, no entanto, os fundamentos dessa essência do cristianismo são deixados de lado porque estamos em uma sociedade totalmente secular, secular no sentido estrito da palavra”, algo que ele diz não entender. Cristãos que não se comportam como cristãos Nesse sentido, ele diz que denunciou em seu país “como é possível que deputados que se dizem cristãos, católicos e não católicos, atuem de tal maneira no Congresso quando se trata de elaborar leis nas quais se…
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Sala Sinodal em mesas redondas, diversidade e método marcam o início da Assembleia

O final da primeira semana da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade, meia semana se não contarmos o retiro anterior de domingo a terça-feira, embora muitos concordem que foi um momento de grande importância para o que está sendo vivenciado e será vivido nesta assembleia, é um bom momento para fazer uma primeira avaliação. A participação de toda a Igreja O primeiro aspecto a ser destacado é a participação de toda a Igreja. Por se tratar de um Sínodo dos Bispos, a presença de não bispos é algo que enriquece o processo, embora alguns membros do Sínodo, desrespeitando o pedido de silêncio do Papa Francisco, tenham se manifestado contra a presença de não bispos, especialmente mulheres, com direito a voz e voto. E é preciso dizer que as mulheres, especialmente as religiosas, têm sido protagonistas positivas nesses primeiros dias. Em segundo lugar, a disposição da sala do sínodo, com 35 mesas redondas distribuídas na Aula Paulo VI. Uma maneira de estar com os outros, olhando nos olhos, que ajuda a tornar a escuta mais atenta e o diálogo mais franco, com a consequente melhoria do processo de discernimento comunitário. Essa disposição também ajuda na dinâmica dessa primeira sessão da Assembleia Sinodal. As tensões, que existem em alguns círculos menores, não prejudicam o fluxo geral da assembleia, e evita que algumas pessoas, protegidas por sua posição de autoridade eclesiástica, monopolizem a voz da assembleia, algo que aconteceu em sínodos anteriores. Conversação espiritual Com relação ao método de trabalho, o discernimento comunitário à luz da conversa espiritual é muito mais do que um formato diferente. Os participantes destacam os momentos de silêncio, tanto nos círculos menores como nas chamadas congregações gerais, quando os 35 grupos em que se divide a assembleia, que serão renovados ao final de cada um dos módulos, compartilham suas experiências, algo que em muitas dessas comunidades de discernimento comunitário nasce de uma grande diversidade de origens, culturas, formas de viver a fé e de ser Igreja. É aqui que há espaço e tempo para que todos entrem em seu próprio ritmo. É um caminho lento, mas que está ajudando a se apropriar de um modo de ser Igreja ao qual muitos não estão acostumados e que, podemos dizer, ainda provoca desconfianças, especialmente entre aqueles que defendem um modo de ser Igreja marcado pelo clericalismo. Não nos esqueçamos de que esse é um dos pecados que o Papa Francisco sempre condena e que esta Igreja sinodal, onde se caminha juntos e juntas, na qual se escuta e se dialoga com todos e todas para discernir em comum, busca superar. Um caminho indicado pelo pequeno Uma Igreja na qual o caminho e o ritmo não são mais marcados pela autoridade, mas pelas vozes que, a partir do pequeno, indicam onde continuar dando passos como Igreja. E para isso, o método da conversa espiritual é decisivo, porque Deus se faz presente na brisa suave e não no vento impetuoso. Isso é algo que tradicionalmente tem sido experimentado nas Igrejas Orientais, onde a sinodalidade, a prática de caminhar juntos, sempre foi muito mais evidente. Sua presença na Assembleia Sinodal é um instrumento de aprendizado, pois as diferentes denominações cristãs presentes ajudam a olhar de outra perspectiva, a valorizar outros elementos que ajudam a continuar dando passos. Após os primeiros dias de reflexão sobre o tema: “Por uma Igreja Sinodal. Uma experiência integral”, aprofundando os sinais característicos de uma Igreja sinodal e a maneira de assumir esse modo de ser Igreja, a conversa no Espírito, os membros do Sínodo entrarão no segundo módulo do Instrumento de Trabalho que trata dos três temas prioritários para a Igreja sinodal: comunhão, missão, participação. Daí a pergunta que é o ponto de partida e deve marcar o discernimento neste segundo momento que começa na segunda-feira: “Como podemos ser mais plenamente sinal e instrumento da união com Deus e da unidade do gênero humano?“. Uma nova reflexão sobre o amor a Deus e ao próximo, que mostra àqueles que têm medo do Sínodo que ele é mais um passo para entender e viver melhor o Evangelho. Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Cardeal Ambongo: Na Assembleia Sinodal “a autoridade vem do Batismo, é por causa do Batismo que estamos aqui”

A primeira coletiva de imprensa com a presença dos membros da primeira sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade, que acontece na Sala Paulo VI do Vaticano de 4 a 29 de outubro, foi realizada neste sábado na Sala Stampa vaticana. Um cardeal africano e uma religiosa migrante Aos tradicionais relatórios de Paolo Ruffini, prefeito do Dicastério para a Comunicação da Santa Sé e presidente da Comissão de Comunicação do Sínodo, assistido diariamente por Sheila Leocádia Pires, secretária da mesma comissão, juntou-se a irmã Leticia Salazar, Irmã da Companhia de Maria e Chanceler da Diocese de San Bernardino (Estados Unidos) e o Cardeal Fridolin Ambongo Besungo, Arcebispo de Kinshasa (República Democrática do Congo), que está participando como Presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar (SECAM). A primeira semana da Assembleia sinodal está terminando, onde foi concluída a seção A do Instrumento de Trabalho, que Ruffini considera rica em eventos, tendo abordado as características de uma Igreja sinodal e experimentado a grandeza da Igreja e sua unidade. O prefeito do Dicastério transmitiu a gratidão do Papa pelo trabalho dos jornalistas. Destaques dos primeiros dias Os principais temas dos primeiros dias foram lembrados, entre outros, a formação em todos os níveis de todos os batizados, especialmente nos seminários, a experiência de comunhão por parte da hierarquia e como encontrar novas formas de participação na comunhão, afirmando que a sinodalidade é uma atitude espiritual que requer estruturas e passando do conceito de poder para o conceito de serviço, sendo uma Igreja acolhedora, que supera o clericalismo e valoriza o papel dos leigos, que está com os pobres, especialmente com os migrantes. Uma assembleia sinodal cujos membros receberam na sexta-feira à tarde o livro do Papa Francisco “Santos, não mundanos“, e que na quinta-feira à tarde peregrinarão às Catacumbas de Santa Domitila, um lugar de importância na vida da Igreja se nos referirmos às primeiras comunidades cristãs, ou mais recentemente ao Concílio Vaticano II ou ao Sínodo para a Amazônia, e aos pactos ali assinados. Os membros da assembleia são convidados a rezar e têm desfrutado da presença de Francisco em todas as congregações gerais, que está sempre entre os primeiros a chegar e conversa abertamente com os presentes no salão sinodal. Estar abertos e aprender com todos A Irmã Leticia Salazar disse que participou de vários Capítulos Gerais da Companhia de Maria, mas enfatizou que essa experiência é diferente, é uma experiência com toda a Igreja, “ela nos permite estar abertos e aprender com todos“. Nascida no México, ela emigrou com sua família para os Estados Unidos aos 17 anos, enfatizando que foi a Igreja Católica que a acolheu. Este é o quarto sínodo do qual o Cardeal Ambongo participa, e ele destacou que cada um chegou à Assembleia Sinodal com suas próprias esperanças, “mas pouco a pouco entramos no processo e percebo que este Sínodo não é como os outros dos quais participei“. Reconhecendo que ninguém sabe como ele terminará, ele enfatizou a importância de que “somos irmãos e irmãs ouvindo a vontade de Deus para sua Igreja”, que ninguém veio com uma agenda para impor. Um Sínodo que está sendo vivido com alegria e confiança, em um clima positivo, e onde o que sair será acolhido como a vontade de Deus, dizendo estar convencido de que dará muitos frutos para a Igreja. Importância do método de discernimento comunitário Um Sínodo que só terá resultados no final da segunda sessão da Assembleia Sinodal, em outubro de 2024, por isso os temas, algo que ele disse em relação aos ministérios ordenados, são tratados, mas não para decidir algo e sim para ver o que o Espírito nos diz em relação a esse tema, ressaltando a necessidade de ouvir para descobrir a vontade do Senhor. Para isso, é importante o método escolhido, o discernimento comunitário, porque “ninguém pode dizer que eu sei qual é a vontade de Deus”, enfatizou o cardeal. Um método no qual “buscamos juntos a melhor solução para o problema neste momento”, o que garantirá que “o resultado seja o mais próximo possível do que podemos considerar ser a vontade de Deus”. Um trabalho feito em conjunto, porque “a autoridade vem do Batismo, é por meio do Batismo que estamos aqui“. Nos círculos menores, é necessária a maioria para aprovar os relatórios, que são apresentados à congregação geral, onde todos podem reagir, e depois as comunidades de discernimento discutem novamente o que foi ouvido na congregação geral, elaborando um relatório final a ser apresentado à secretaria do Sínodo. Uma Igreja com traços sinodais A Ir. Leticia Salazar compartilhou o trabalho que a Diocese de San Bernardino realiza com os migrantes latino-americanos, onde há 30 anos refletem sobre como ser uma Igreja acolhedora, com traços sinodais, que busca a integração das pessoas, afirmando que o tema da migração faz parte do discernimento sinodal e é necessário continuar a aprofundar o que significa ser irmãos e irmãs. Como o cardeal africano, a religiosa insistiu que “foi o Batismo que nos trouxe até aqui”, enfatizando a importância da oração, que “nos permite ver coisas que nunca vimos antes, nos permite abrir-nos a novas possibilidades“. Isso exige muita atenção à Palavra de Deus, às vozes que escutamos, não se trata apenas de nossa experiência pessoal e isso se expressa livremente nos círculos, enfatizou, porque é aqui que “o que Deus está nos dizendo é revelado, isso é discernimento comunitário, é uma comunidade que atinge a meta”. Nesse sentido, destacou que “muitas vezes as pessoas não entendem o que é sinodalidade, que não é um conceito, é a experiência de se sentir incluído, escutado”. Para o Cardeal Ambongo, “a formação no espírito da Igreja sinodal é fundamental, todos nós temos que nos deixar formar no espírito da sinodalidade“. A partir daí, ele disse que “não é o Sínodo que resolve problemas particulares, mas o Sínodo que define a nova maneira de enfrentar os problemas no espírito da sinodalidade”. Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Mesas redondas que geram caminhos de esperança em uma Igreja sinodal

Ser uma fonte de esperança para uma Igreja onde haja espaço para todos, todos, todos. Poderíamos dizer que esse é um dos desafios do Sínodo sobre a Sinodalidade, que está realizando a primeira etapa da Assembleia Sinodal na Sala Paulo VI, no Vaticano, de 4 a 29 de outubro. Um ponto chave para a vida da Igreja Não podemos nos esquecer de que a esperança é um ponto chave para a vida da Igreja, especialmente para aqueles que passaram por experiências difíceis, dolorosas e desafiadoras. São essas pessoas que esperam que a Igreja as ajude a encontrar uma luz que as abrirá para um modo de vida diferente, a superar o medo, a entender que, ao viver em docilidade ao que o Espírito Santo quer dizer, a pessoa encontra o caminho da vida. Uma esperança que está inerente em todos aqueles que acreditam na Ressurreição, em todos e todas os que se sentem o povo do Ressuscitado, o povo da esperança. A experiência do Sínodo está ajudando a muitos dos que são membros da Assembleia Sinodal a viver a experiência de uma Ressurreição. Parece que estávamos na tumba, tudo frio, tudo derrotado, com aquele sentimento primeiro dos discípulos de Emaús. Um Sínodo para encontrar-se com o Ressuscitado Diante disso, o Sínodo sobre a Sinodalidade está fazendo com que muitas pessoas se encontrem com o Ressuscitado. É a esperança que faz parte da vida daqueles que passam por experiências difíceis em seu cotidiano, em seu dia a dia. Na secura vivenciada por tantos homens e mulheres mundo afora, às vezes, uns pingos de chuva fazem com que a terra da vida cobre um sabor diferenciado, uma cor nova, o broto começa a nascer da semente que foi plantada. Uma experiência que está sendo vivida nesse Sínodo, que mais do que uma novidade é um despertar de algo que já existia, que já existe, e que hoje está se revelando, se abrindo. É o túmulo que se abre e o Ressuscitado que aparece e traz a esperança que brota da vida em plenitude. Muitas pessoas apontando caminhos para uma Igreja sinodal O fato de ver tantas pessoas que de diferentes modos, dentro e fora da sala sinodal, estão apontando caminhos para ser uma Igreja sinodal é um sinal de esperança que leva a acreditar que a Igreja está no caminho certo, que está superando os medos, pois quem tem esperança não tem medo da novidade, medo de caminhar junto. Um modo de se colocar a caminho que leva a ter a certeza de que no caminho podemos encontrar tropeços, pedras, mas sobretudo alegria, companheiros e companheiras, gente em sintonia diante dos mesmos problemas. Um Sínodo que está sendo uma oportunidade para apontar caminhos para a esperança em algo novo, para uma revelação de algo que estava escondido na Igreja, porque a Igreja sinodal, ela já existe. Talvez ela tivesse sido esquecida, talvez muitos nem a conheciam. Mas estamos diante de um chamado que nos leva a assumir a necessidade de resgatar, de recuperar. Como Madalenas se faz preciso anunciar essa Igreja da esperança, essa Igreja sinodal onde todos se propõem caminhar juntos, algo que é bem mais do que dar as mãos e caminhar, é perceber que nós temos erros e que no caminho somos chamados a acertar esses erros, acolhendo todos e todas sem exclusão de ninguém. Essas mesas redondas onde se olhando aos olhos, os membros do Sínodo, homens e mulheres chegados de todos os cantos da Igreja buscam discernir esses caminhos de esperança. Um modo de ser Igreja a ser assumido em tantos lugares onde a esperança é necessária para não duvidar que Deus sempre está com todos, todos, todos. Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Padre Vanthuy Neto: A encíclica “Lacrimabili statu” de Pio X sobre os indígenas foi um texto iluminado

Antecipador de questões como os direitos humanos e o direito à própria terra. O padre Vanthuy Neto, professor de História da Amazônia, da diocese de Roraima, “lê” para nós o documento escrito em 1912, depois que o Papa viu os relatórios dos missionários beneditinos desse canto do Brasil. Era 1912, 108 anos antes da exortação apostólica Querida Amazônia, do Papa Francisco. Pio X escreveu uma carta encíclica, Lacrimabili statu, que era uma denúncia precisa e circunstancial da situação inaceitável em que os povos indígenas da América Latina, e em particular da Amazônia, eram obrigados a viver. Era um texto antecipatório, que mostrava o “coração pastoral” do Papa Sarto, capaz de se expandir para o mundo inteiro e para situações inéditas, chegando implicitamente a falar de “direitos humanos”. Sobre a importância desse texto, entrevistamos o padre Vanthuy Neto, chanceler da diocese de Roraima e professor de História da Amazônia. Ele nos responde enquanto conversa com o padre Edy Savietto, missionário fidei donum de nossa diocese, em Roraima. Uma “ponte” entre duas dioceses que também acontece em nome de São Pio X, cuio corpo está peregrinando nesses dias na diocese de Treviso, onde ele nasceu.  Qual é a importância do texto de Pio X de mais de 100 anos atrás? O que ele representou para os povos indígenas? A encíclica do Papa é um documento que nasce das denúncias precisas dos missionários da época, principalmente da região de Roraima, onde os beneditinos estavam presentes, em um contexto em que os indígenas eram tratados com grande violência. Outras notícias vieram da Amazônia peruana. A encíclica retoma quase literalmente as notícias que vieram dessas áreas. Lembro-me de que a área pan-amazônica é aquela onde ainda hoje existe a maior diversidade de grupos étnicos indígenas do mundo. Essa grande região sofreu uma grande “invasão por motivos econômicos” na virada dos séculos XIX e XX. Isso ocorreu, sobretudo, por causa da abundância da borracha. A Amazônia era considerada um “inferno”, era chamada de “inferno verde”. Temia-se pragas, febres e epidemias, mas foi aqui que a borracha foi descoberta. A Amazônia foi subitamente revelada ao mundo por seu potencial econômico. Evidentemente, a notícia chegou ao Vaticano, que começou a exercer sua atenção espiritual sobre essas regiões. Leão XIII já havia dividido a região amazônica em duas jurisdições eclesiásticas, Belém e Manaus, e envolveu muitas ordens e congregações nessa grande obra de evangelização, incluindo os dominicanos, xaverianos, beneditinos, franciscanos, jesuítas etc. A encíclica é, de fato, o resultado dessas informações, enquanto na Europa predominava uma cultura “positivista”, segundo a qual os povos europeus traziam um “mais”, um avanço, em relação aos povos considerados primitivos. Os missionários descobriram que os povos indígenas eram maltratados até mesmo pelos próprios cristãos. Assim, o boom econômico e os povos exterminados, que passaram de maioria a minoria, são os dois pontos abordados no Lacrimabili statu, aos quais se deve acrescentar a denúncia do Papa Pio X sobre a violência que essas populações continuaram a sofrer. Deve-se levar em conta que os povos originários somavam cerca de cinco milhões e haviam se reduzido a apenas seis mil na região brasileira.  A encíclica de Pio X fala dos relatórios dos missionários. Qual foi a importância de suas ações e escritos ao longo das décadas? A encíclica criou uma consciência especial sobre os povos originários e o papel dos missionários. A primeira coisa que ficou muito clara foi que os missionários, em seu trabalho de evangelização, não concordavam de forma alguma com práticas violentas contra os povos indígenas. Em segundo lugar, havia uma forte preocupação da parte deles de que os indígenas não fossem tratados como uma raça inferior. Os beneditinos de Roraima falam de uma prática em que eles eram marcados com um ferro incandescente, como se fossem animais. Isso é claramente afirmado na encíclica. Outro ponto diz respeito aos direitos dos povos indígenas com relação à sua terra e posse. Essa encíclica antecipa uma noção, a dos direitos humanos e dos direitos dos povos indígenas, que surgirá claramente sessenta anos depois. Podemos realmente dizer que essa é uma carta iluminada e inspirada. A carta revela um aspecto do Papa Pio X que não é muito conhecido, essa atenção ao que será chamado de direitos humanos, e enfatiza que a evangelização não pode ocorrer sem a passagem de uma condição menos humana para uma mais humana. Além disso, o Papa deu poder aos bispos para agirem contra essa violência. O texto de Pio X ainda é conhecido no Brasil hoje? A encíclica não foi muito conhecida no Brasil: foi escrita em latim, as notícias circulavam lentamente… Mas aqui em Roraima, o bispo da época a publicou e a espalhou por toda a prelazia. Naquela época, os beneditinos enfrentavam os fazendeiros, os grandes proprietários de terras, que desencadearam uma perseguição contra eles também. Nos arquivos, há muitos testemunhos desses ataques dos fazendeiros contra os missionários. Portanto, podemos dizer que, no início, a carta não era muito conhecida, mas foi “vivida” pelos missionários da época. Há continuidade entre a encíclica de São Pio X e o magistério do Papa Francisco? É interessante que os beneditinos propuseram a criação de um território indígena em 1912. A partir daí, pode-se ver uma certa continuidade. Podemos falar não apenas de continuidade, mas também de algo que foi realizado com relação às indicações dadas pelo Papa. Pode-se também falar hoje de uma “situação de choro” com relação aos povos indígenas? Quais são os maiores desafios ainda em aberto? Não há dúvida de que essa encíclica é extremamente atual. Há apenas uma semana, a Suprema Corte do Brasil decidiu contra o “Marco Temporal”, a lei que buscava arrancar seus territórios dos povos indígenas. O documento de Pio X fala do direito dos povos indígenas de possuírem suas próprias terras, e até hoje isso ainda está sendo questionado. Portanto, está claro para mim que a encíclica é muito, muito oportuna. Durante o Sínodo da Amazônia, ressoou o direito dos povos indígenas à sua própria terra, à sua própria cultura. Naquela ocasião, foi…
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“Santos, não mundanos”, o último presente de Francisco aos padres e madres sinodais

Publicado pelas Edições Vaticanas em 6 de outubro, com três textos, dois do Cardeal Jorge Mario Bergoglio e um do Papa Francisco, o Santo Padre deu este presente, presumimos que na esperança de que o leiam e que os ajude no processo de discernimento, aos padres e madres sinodais que, de 4 a 29 de outubro, estão participando da primeira sessão da Assembleia Sinodal do Sínodo da Sinodalidade. O título do livro é “Santos, não mundanos. Deus nos salva da corrupção interior“. Mundanismo espiritual Uma publicação que começa dizendo que “a fé cristã é uma luta, uma batalha interior para vencer a tentação de nos fecharmos em nós mesmos e nos deixarmos habitar pelo amor de um Pai que deseja a nossa felicidade”, referindo-se ao mundanismo espiritual, que ele define como “paganismo disfarçado com vestes eclesiásticas”. O Santo Padre pede que a Igreja esteja “suficientemente próxima da cruz de seu Senhor” como fonte de fecundidade e uma forma de santidade, que envolve “o desejo incessante e inabalável de permanecer unida à cruz de Jesus”. “Corrupção e pecado. Somente diante de Deus ou de uma criança devemos nos ajoelhar” é o primeiro texto, denunciando a corrupção como “uma das realidades habituais da vida”. Para enfrentá-la, ele propõe “sacudir nossas almas com o poder profético do Evangelho, que nos coloca na verdade das coisas, removendo a folhagem da fraqueza humana, para a corrupção”. O cardeal Bergoglio convidou todos a dizerem sem medo para si mesmos: “Pecador, sim, corrupto, não! O texto analisa o significado do pecado na vida humana, bem como a corrupção. Com esse texto, ele queria ajudar a “compreender o perigo de colapso pessoal e social que a corrupção acarreta; e também nos ajudar a ser vigilantes, porque um estado diário de cumplicidade com o pecado pode nos levar à corrupção”. Análise da corrupção O texto analisa a corrupção do ponto de vista do Método, procurando evitar que a corrupção se torne um lugar comum de referência, ajudando-nos a entrar na estrutura interna do estado de corrupção, a descrever o modo de proceder de uma pessoa, de um coração corrupto (diferente do de um pecador) e a passar por algumas das formas de corrupção com as quais Jesus teve de lidar em seu tempo, analisando a corrupção entre os religiosos.  Ele insiste em não confundir pecado com corrupção, afirmando que “o pecado é perdoado; a corrupção, porém, não pode ser perdoada”. Por isso, falando sobre o fingimento, ele ressalta que “a corrupção, em vez de ser perdoada, deve ser curada”, porque é “uma daquelas doenças vergonhosas que se tenta esconder, e se esconde até que não possa mais ser escondida”. Uma realidade que leva à comparação, buscando “encobrir sua incoerência, para justificar sua própria atitude”, uma comparação distorcida. Uma comparação que leva ao julgamento, querendo parecer equilibrado, e do julgamento à falta de vergonha, que leva a se voltar contra si mesmo, a se contentar com uma mentira, que leva a uma modesta falta de vergonha. Evitando o triunfalismo O texto reflete sobre o triunfalismo, que ele define como um terreno ideal para atitudes corruptas que fazem com que as pessoas se sintam vencedoras e integrem situações estáveis de degeneração em sua personalidade, levando-as a perder a esperança. Uma corrupção que leva a “reler os mistérios eclesiais com parâmetros de redenções políticas ou mesmo de realidades político-culturais das pessoas, mesmo que sejam boas, as tornará cúmplices em sua escolha de estilo”. Enquanto na tentação do pecado a tentação cresce, se espalha e se justifica, a corrupção se consolida, convoca e estabelece a doutrina, afirma o texto. Voltando ao tempo de Jesus, aparecem histórias que são uma amostra da corrupção, analisando as atitudes de diferentes grupos e pessoas. A partir daí, ele chega à conclusão de que “a corrupção não é um ato, mas um estado, um estado pessoal e social, no qual a pessoa se acostuma a viver”. Uma corrupção presente naqueles que são religiosos, porque “a alma se acostuma com o mau cheiro da corrupção”. “Resistir ao formalismo hipócrita”. Finalmente, o livro inclui a Carta aos sacerdotes da diocese de Roma, intitulada “Resistir ao formalismo hipócrita“, escrita em 5 de agosto, onde afirma a necessidade de “trocar olhares cheios de cuidado e compaixão, aprendendo de Jesus que olhava assim para os apóstolos, sem exigir deles um roteiro ditado pelo critério da eficiência, mas oferecendo atenção e descanso”. Aos sacerdotes, Francisco diz que se sente “no caminho com vocês“, mostrando sua proximidade com eles em todas as circunstâncias, questionando-os: “neste nosso tempo, o que o Senhor pede de nós? Onde nos guia o Espírito que nos uniu e nos enviou como apóstolos do Evangelho?”, chamando-os a refletir sobre o mundanismo espiritual e mostrando seu perigo, porque “reduz a espiritualidade a uma aparência”, a um formalismo hipócrita criticado por Jesus em certas autoridades religiosas da época, a uma tentação. Ele também relaciona o mundanismo espiritual ao clericalismo, querendo se mostrar como “superior, privilegiado, colocado ‘no alto’ e, portanto, acima do resto do povo santo de Deus”. Diante disso, ele mostra a necessidade de “olhar para Jesus, para a compaixão com que ele vê nossa humanidade ferida, para a gratuidade com que ele ofereceu sua vida por nós na cruz”. Ele pede que permaneçam vigilantes em relação ao clericalismo e que rezemos uns pelos outros, para que Deus “nos ajude a não cair, tanto em nossa vida pessoal quanto em nossa ação pastoral, nessa aparência religiosa cheia de tantas coisas, mas vazia de Deus, para não sermos funcionários do sagrado, mas anunciadores apaixonados do Evangelho”. Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1