O cardeal Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus e presidente do Regional Norte 1, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB Norte 1), concedeu uma entrevista ao Centro para a Comunicação do Celam (Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho). O diálogo, publicado ontem (14), abordou a participação e as contribuições da Igreja Católica na 30ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30) que acontecerá em novembro de 2025, na cidade de Belém (PA).
Ao ser questionado sobre realidade da Amazônia às vésperas da COP 30, o arcebispo aponta que ela exige discussão, reflexão e debate. O avanço do garimpo, mesmo com esforços de combate do governo federal, a mineração, onde o Congresso Nacional busca criar leis para exploração na região, a desflorestação, principalmente no sul do Amazonas, e migração do interior para a cidade, são os grandes desafios que permeiam a dinâmica da região.
“O sul do Amazonas hoje já não tem mais a mata amazônica e isso está trazendo cada vez mais dificuldades. Mas também nós vemos devagarinho, nós que moramos nas cidades maiores, que há um peregrinar do interior para a cidade. A cidade de Manaus não cresceu, ela inchou”, declarou
Por outro lado, o cardeal destacou que Amazônia carrega beleza, criatividade, poesia e, principalmente, “uma religiosidade muito profunda”. Essas características compõem as inúmeras culturas presentes nos territórios. E, segundo ele, são elas que “nos ajuda, nos anima e nos traz esperança” para enfrentar as questões que “dizem respeito a uma Ecologia Integral”.

Caminhar para a fraternidade e o cuidado
O entrevistador, Óscar Elizalde Prada, diretor do centro para a Comunicação do Celam destaca que é a primeira vez que uma COP acontece em território amazônico, uma oportunidade que reflexão sobre as realidades da região. E perguntou ao arcebispo quais os apelos manifestados pelos povos, através da escuta, a igreja levará para a conferência.
O cardeal explicou que a grande movimentação da igreja em torno da COP30 é pelo “cuidado da nossa casa comum na Amazônia”, ampliando as vozes das comunidades mais vulneráveis. A criação da comissão “Igreja Rumo à COP30”, composta de bispos e leigos, expressa o compromisso com a justiça climática e a ecologia integral. Além disso, o apoio ao Cimi (Conselho Indigenista Missionário) , a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e outros organismos da CNBB.
A participação da igreja será através de representantes da Santa Sé e da CNBB. E também, “apoiando os povos indígenas, apoiando diversos grupos que têm realmente preocupação com a questão do meio ambiente”, no Brasil e no mundo. Esse espaço fortalece a presença da igreja nos debates, e influencia na tomada de decisões visto que “nos preocuparmos com a igreja, nos preocuparmos porque cremos e temos esperança, queremos cuidar da nossa casa comum, queremos propor”.
“nós queremos estar sinodalmente presentes. porque queremos caminhar juntos, queremos que a humanidade caminhe, mas caminhe com esperança e caminhe com cuidado, não caminhe para a destruição e a dominação, mas caminhe para a fraternidade, para usar uma expressão de Francisco de Assis”, enfatizou o arcebispo.

A Sinodalidade como caminho para um mundo melhor
O arcebispo de Manaus recorda que “a sinodalidade é a preciosidade que Papa Francisco nos devolveu”, já que possibilita “caminhar juntos na casa comum”. Esse horizonte, permite que se construam processos de escuta mútua, fundamentais para reverter a organização social atual onde “os estados não se escutam em relação à ecologia integral”. Ele acrescenta que isto inclui também ‘escutar o grito da Terra’, como pedia Francisco.
“Esses gritos, esses movimentos que existem na terra, existem entre a sociedade ou as sociedades, precisam ser ouvidos”, sublinhou.
Além disso, depois do processo de escuta, a sinodalidade favorece a busca de soluções conjuntas. Ou seja, construir propostas que ajudem no cuidado da casa comum, da terra e diminuam a destruição tanto na Amazônia, como em outras regiões do mundo. A expectativa do cardeal Steiner é de que o caminho sinodal permita que as proposições assumidas na COP 21, descritas no acordo de Paris, sejam executadas.
“Talvez a grande dificuldade será realmente nos ouvirmos e nos escutarmos, porque tenho a impressão que tem alguns que não desejam participar da escuta, mas impor determinadas compreensões que acabam destruindo ainda mais a nossa Terra”, explicou o cardeal.

Laudato Si’ é a grande herança de Francisco
Papa Francisco insistiu na necessidade de conversão dos modos vida adotados pela sociedade para ajudar a cuidar da Casa Comum, não apenas para igreja, mas para o mundo. Nessa perspectiva, o caminho trilhado pela igreja nos últimos anos é fortalecido pela publicação da encíclica Laudato Si’. O cardeal comentou a importância do documento para a COP 21.
“A COP de Paris chegou às conclusões que chegou, eu creio que se deve muito ao texto de Papa Francisco. Eu estive lá participando da delegação da Santa Sé e testemunho isso da importância que teve Laudato Si’”, explicou o cardeal.
Além disso, o arcebispo insiste que o documento “ainda não chegou em todas as comunidades”. Ele oferece uma nova dinâmica para as relações, “de cultivo e de cuidado, baseado numa hermenêutica do Gênesis” ainda ausente na coletividade. O cardeal explica que essa compreensão precisa se proliferar e todos os âmbitos, mas a relação ainda é “muito comercial. A relação ainda é muito financeira, a relação ainda é muito econômica”.

Novas relações sem ganância
O arcebispo reforçou a necessidade de novas relações com o ambiente porque a “Terra não suportará no futuro toda essa devastação”. Essa afirmação parte da insistência de cientistas nos efeitos da devastação, mesmo com “elementos muito concretos” apresentados, existe uma “teimosia” em assumir “caminhos possíveis de preservação” e cuidado. Ele vê essa dificuldade em “abrirmos os olhos” para a realidade do planeta está relacionado “à ganância que existe” em relação ao território amazônico e recordou a fala de Francisco na África ‘tirem as mãos da África’.
“Eu às vezes tenho vontade de repetir, até numa ocasião já repeti, tirem as mãos da Amazônia. Tirem as mãos da Amazônia. Quer dizer, esse modo ganancioso, dominador, destruidor, que fere profundamente a natureza, mas ferem as relações”, disse o cardeal.
Para ilustrar a importância das relações equilibradas, Steiner descreveu a questão dos rios voadores formados na floresta amazônica que levam chuva as outras regiões do país. Com o impacto das constantes supressões de vegetação “essa relação não existirá mais”, e trará enorme impacto ambiental. Por isso a urgência na construção de novas relações já que, segundo o cardeal, “hoje estamos mais necessitados do que na época em que o Papa Francisco publicou o texto”.
“Não pode ser a relação do capital, Não pode ser a relação econômica, não, tem que ser uma relação realmente fraterna, de cuidado, de respeito, porque todos temos direito de habitar a terra, mas a terra tem o seu direito também de ser preservada, de ser cuidada. Nós não damos muita importância ao meio ambiente nesse sentido, mas devagar estamos despertando, inclusive para o direito que a natureza tem”.
Ao final, cardeal Steiner convidou a todos a caminhar “sempre com esperança, com todas as dificuldades, mas nós, a partir do Evangelho, caminhemos sempre com esperança também para alcançarmos uma Ecologia Integral”.
Imagem: Print vídeo Celam
A entrevista na íntegra pode ser acessada no link https://www.youtube.com/watch?v=cPzgVCHHxqg